Cães do Inferno - parte I

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Em um quarto totalmente escuro, o vampiro abriu os olhos para mais uma noite no novo mundo em que acordou, na Inglaterra atual, em uma pequena e isolada cidade chamada Bleak Hill. Uma taça de sangue humano o ajudou a começar a noite, enquanto Teresa se encarregou dos mínimos detalhes que cercavam seu patrão. Principalmente, dos que envolviam o fato dele ser um vampiro. Pratos de refeições que nunca seriam comidos, um suposto trabalho intenso no escritório particular, falsas saídas diurnas por negócios... Adam sempre levantaria suspeitas. Cabia a ela impedir que elas se tornassem algo além de boatos e piadas.

As noites, antes cheias de vida e descobertas, passaram a se arrastar após a despedida entre o vampiro e sua amada. Era algo realmente trágico, pensava ele, que, após retornar para estar com ela, em tão poucos dias, já estivessem separados novamente.

O jovem caminhou pelo vasto jardim que mandou restaurar na parte de trás da imensa propriedade. Árvores, flores e pequenos animais, uma combinação de elementos que buscava trazer vida para um lugar tão fúnebre como aquele. A ideia das flores foi de sua Alice, e ele mandou replantarem de todos os tipos que ela escolheu na época. E, enquanto admirava aquele oceano de vida, o morto-vivo se perguntou: "Será que ao vislumbrá-lo, algo em você se lembrará, Claire?".

E, vestindo apenas uma calça larga e de pés no chão, se moveu furtivamente pelas trevas da noite. Uma pequena oportunidade de testar seus instintos de caçador. Após algum tempo à espreita, ouviu os sons de algo pequeno se movendo entre o mato. Com alguns movimentos rápidos, conseguiu encurralar o pobre esquilo de coração acelerado, buscando desesperadamente uma rota de fuga e que, ao se ver acuado, mostrou os dentes para seu predador.

Que criatura ingênua era aquela, lutando contra uma força a qual não podia resistir, Adam refletiu. "Somos iguais", pensou ele. "Lutando contra nosso destino e sem qualquer chance de sucesso."

— Mas que caçador habilidoso! — Jeanne Hilton brincou.

Ao olhar para a visitante, o vampiro soltou a presa das mãos por reflexo, a qual acabou fugindo. E, então, sorriu pela ironia de tudo aquilo.

Jeanne estava na entrada do jardim, de calça social justa, salto e blusa decotada. Seus cabelos castanhos num coque, as mãos na cintura e um sorriso na face.

— Vejo que já se sente em casa, ninguém anunciou sua chegada — reclamou, Adam, surpreso por vê-la ali, e caminhou em direção à vampira.

— Considere isso uma pequena lição, já que me deu livre acesso a sua casa sem ter sequer um segurança nela — disse ela, preguiçosamente relaxada no banco de madeira, enquanto o vampiro limpava as mãos em uma toalha pendurada sobre ele. — Se eu quisesse traí-lo, como o professorzinho fez com a madre, era só entrar aqui com meus amigos que você estaria morto agora.

— Essa seria uma possibilidade, não nego — disse Adam, sentando-se ao lado dela. — A outra é que todos vocês virassem adubo para meu jardim. De péssima qualidade, por sinal.

Teresa surgiu pela porta que levava ao jardim, a poucos metros deles. Sua expressão, sutilmente traindo descontentamento por ver a vampira ali dentro.

— Desculpe não ter anunciado a moça, patrão. Quando a empregada me avisou, a visitante já não estava mais onde foi deixada.

Jeanne piscou para ela.

— Mendes, nos traga sangue, por favor — Adam pediu, com sua expressão tranquilizando a mulher. — Caçar sempre me deixa com sede, mesmo quando não passa de brincadeira.

A funcionária se retirou, enquanto a vampira ria.

— Você gosta mesmo de sustentar o estereótipo, né? Já não basta morar numa mansão que mais parece um castelo, ainda precisa de uma governanta andando de um lado para o outro? É a imagem dos velhos filmes de terror encarnada! Eu contrataria gente jovem e bonita. Acho que o que te falta é um bom marqueteiro, Drácula Junior.

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