Como que arrancado de um pesadelo febril, Adam despertou. E uma vez desperto, se deu conta da terra gelada que cobria todo seu corpo, obscurecia sua visão e por pouco não adentrava em sua boca. A conclusão era desesperadora: ele estava enterrado! Seu corpo reagiu por instinto, com as mãos forçando caminho para fora daquela prisão de terra úmida. Seus movimentos frenéticos só cessaram quando se viu liberto daquilo tudo. Quando se viu de volta à parte de cima do mundo, o lugar onde os vivos deviam estar.
Ele estava ofegante, embora mais pelo desespero que pelo esforço. Ao se pôr de pé, vislumbrou seu túmulo: uma cova simples, em meio a um mar de terra e lama, no centro de um cemitério. Adam não compreendia... nada daquilo parecia fazer sentido. Uma dor intensa na cabeça o fez cair de joelhos. Junto à dor, veio um rastro de suas últimas lembranças, como se sua mente sofresse ao parir as memórias amargas.
O castelo. Vlad Tepes, o monstro. Seu próprio pai se revelou um demônio terrível a lhe tentar com a promessa de imortalidade. Promessa a qual ele rejeitou. Rejeitou, e por isso foi morto, tendo seu sangue drenado. Mas se foi morto, como era possível que estivesse de pé naquele momento?
Adam levou a mão ao pescoço, surpreendendo-se ao não sentir qualquer coisa de diferente nele. Também não sentiu os ossos quebrados, a ferida nas costas ou as dores pelo corpo. O homem deveria estar morto, mas ao invés disso estava ali, curado e sentindo-se mais forte do que nunca. Algo de errado, de terrivelmente errado e profano aconteceu naquela noite, e ele ainda não fazia ideia do que, ou do motivo.
O cavaleiro não sabia há quanto tempo havia tombado. Na verdade, conforme se afastava do cemitério só uma coisa tomava conta da sua mente: a sede. Seu primeiro impulso foi beber da água deixada para os animais. Com as mãos em concha ele bebeu com sofreguidão. Bebeu, bebeu... Até sentir vontade de vomitar aquilo. Estranhamente, a água não lhe fez qualquer bem, pelo contrário, pareceu estar ainda mais sedento que antes! Havia algo de errado com aquela sede, algo de errado com ele. Isso se tornou ainda mais claro quando ouviu ao longe uma batida inconstante. Algo como um tambor, ou um coração pulsando. E sem sequer raciocinar sobre o motivo, avançou até ele.
Conforme vagou por caminhos escuros, se viu cada vez mais próximo do som da batida vital. Por fim, encontrou um casebre caindo aos pedaços, com uma cerca malfeita na frente de um terreno sem valor. O som vinha de lá. Adam entrou facilmente pela janela, se vendo em um cômodo cheirando a mofo. Daquele ponto, tinha visão de três pessoas dormindo tranquilamente, uma numa cama e duas no chão. Na cama, um homem velho, magricelo e com uma espada ao lado, descansava. No chão, duas jovens dormindo, prováveis irmãs. O som dos corações batendo, o cheiro, as presas que surgiram em sua boca sem sequer perceber. O som de suas vidas o chamaram a perder-se nele, e o cavaleiro não teve forças para resistir.
E então o prazer! A perdição pecaminosa do fluir da vida, o sabor doce e profano do sangue humano. Ele perdeu qualquer noção de moral, tempo ou racionalidade. Como um animal faminto que destroça a presa ainda viva, bebeu das duas enquanto as manteve juntas a si. Um abraço de morte, um beijo de adeus.
Um grito! Adam abriu os olhos assustado, sentindo as costas arderem. Se viu diante de um velho trêmulo que gritava irracionalmente, segurando uma arma de lâmina gasta com ambas as mãos. Os olhos do homem estavam vermelhos de ódio enquanto resmungava coisas que Adam sequer conseguiu compreender, dado seu estado emocional abalado. Ele lambeu os lábios ao se virar na direção daquelas jovens... Ou do que restou delas. A mais baixa tinha o corpo seco, totalmente drenada por ele. A outra estava ainda viva, mais ofegante e semiconsciente, com sangue jorrando pela virilha ferida, exibindo os furos deixados por um par de presas.
O que ele fez? Como foi capaz? Adam não conseguia entender como um homem como ele, um bom homem, poderia fazer tal monstruosidade. Um homem que jamais abusou de mulher alguma, jamais as forçou a deitar-se consigo, sequer iludiu com promessas que não pudesse cumprir. Como um homem que tentava ser justo, se transformou em um incubo satânico? A resposta veio em fim a sua mente, na forma do pai, com presas expostas e olhos vermelhos. Um homem que mesmo contra sua vontade, o transformou em um monstro como ele.
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Filhos da Noite
VampiriAdam desperta! Trezentos anos após seus inimigos lhe arrancarem tudo, o vampiro tem finalmente um motivo para retornar: Claire Winnicot. Uma universitária de psicologia que se revela a reencarnação da sua esposa assassinada. O imortal fará qualquer...