A Face do Golem

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O sol nasceu com Paul entregue aos livros, sem ter dormido nada. Diante do espelho do banheiro, contemplou a si mesmo, lembrando-se dos olhos da mulher que matou. A água no rosto limpou o suor, mas não a culpa. E conforme a campainha não parou de tocar, secou-se e atendeu. O homem na porta era um velho conhecido que ele deixou entrar sem cerimônia.

— E então, como você está? — inquiriu Roger, pegando das torradas e chá que Paul serviu. — Não entrou em contato, não retornou minhas ligações, não tem ido ao trabalho... Para ser sincero, tive medo que estivesse morto.

— A "Ordem do Dragão". Os cavaleiros cristãos do qual dizem ter feito parte Vlad Dracul: o dragão. Pai de Vlad Drácula: o filho do dragão. — Paul folheava os textos do material que o vampiro Adam lhe entregou. — E quem diria, pai de Adam Tepes.

— Então você conversou com o vampiro de novo — afirmou Roger. — Mas que história é essa de "Drácula"? É como o dos filmes de terror? — O homem olhou com ceticismo para Davis. — E vampiro lá tem filho agora?

Paul se forçou a comer e beber, mesmo sem vontade.

— Tem, se fez o filho quando ainda era humano, e depois o transformou em vampiro. Aliás, preciso saber como se fala "neto" em romeno. Adam Tepes: neto do dragão. — E sorriu, olhos no livro. — Não soa lá muito imponente.

— Acredita mesmo que ele seja importante assim? Tudo bem que seja antigo, as evidências disso são fortes, como você mesmo explicou. Mas daí a "filho do Conde Drácula", são outros quinhentos!

— No nosso ramo é difícil falar em certezas, Roger. Mas digamos que o desgraçado mostrou coisas o suficiente para que eu leve a sério essa afirmação. E o melhor, ele quer uma parceria comigo.

— Só pode estar brincando. Parceria com um vampiro?

— Esse é o símbolo da Ordem — prosseguiu Paul, mostrando a imagem de uma cruz com um dragão enroscado nela. — Segundo Adam, são seus inimigos. Ele acredita que continuam por ai, mesmo após trezentos anos. Reconhece o símbolo, detetive?

— Essa é a tatuagem que os seguidores de vampiros fazem no pulso.

— Exato — confirmou o professor, comparando com uma foto da tatuagem em seu celular. — Eu já havia reconhecido a origem da figura antes, mas nunca imaginei que eles realmente tivessem surgido por volta do século 15. A Ordem do Dragão da qual Turner fala, é nada menos que nossa velha conhecida Irmandade Rubra.

Roger encarou o professor por um tempo antes de perguntar.

— Vampiros são nossos inimigos, Paul. Não foi essa uma das primeiras coisas que me ensinou? Como pode pensar em se aliar a um deles? Enlouqueceu!?

— É temporário, Roger, temporário — disse o professor, dando tapinhas no ombro do parceiro. — Ele nos levará até peixes maiores, e assim que pescarmos todos, será a vez dele.

Paul já esperava por uma reação como aquela, até por isso não teve pressa em contar. A parceria com o vampiro era algo indigesto, mas que Roger precisava saber. Ao contrário do que ele fez com Pietra... Isso seria algo que o homem jamais entenderia. Jamais aceitaria. Com eles dois sempre foi assim: Paul contava apenas aquilo que o homem podia aceitar, esse era o preço para que pudesse mantê-lo consigo. E isso já fazia um bom tempo.

***

Manchester, dois anos antes. Após ouvir sons vindos da sala, Roger Green, quarenta e cinco anos e detetive afastado, deixou a esposa dormindo sozinha para investigar a origem deles. O homem tinha altura mediana, cabelos levemente grisalhos e barba grossa em um rosto severo.

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