Fantasmas do Passado - parte II

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— Como se sente, alteza? — o padre questionou, na noite seguinte.

— Sinto o peso da vergonha sobre meus ombros. A culpa martelando forte em meu peito — respondeu ele, cabisbaixo. — É assim que me sinto.

— Sua parte humana pode dizer isso, mas... o que sua nova natureza diz? — insistiu o velho, apoiado em sua bengala. — Não é verdade que se sente revigorado? Que seu corpo está fervilhando com uma energia que o faz sentir-se invencível? Que seus extintos estão ainda mais afiados, como se espera de um verdadeiro predador?

Adam fechou os olhos e os ouvidos. Não queria ouvir aquilo, pensar naquilo.

— Será assim, agora? Me forçarão a praticar atrocidades, vez após vez?

O homem apenas balançou a cabeça, Em negativa.

— De modo algum. A cada semana um mortal lhe será entregue para que possa se alimentar. Deverá beber dele um pouco por noite, fechar sua ferida com gotas de seu próprio sangue, até secá-lo por fim, na sétima. Isso lhe ensinará disciplina, auto-controle e desapego.

— Uma atrocidade aos poucos a cada noite e uma maior a cada semana. Mate-me de uma vez! Não farei parte disso, velho demônio.

— Sim, alteza. Fará sim. Seguirá sua nova natureza, aprendendo a ser um perfeito predador, ao invés de uma besta faminta e descontrolada. Fará, pois o filho do grande mestre não pode comportar-se como um animal doente e fraco. Sim, fará. Pois caso se negue, o que lhe será sacrificado não será adulto, velho ou criança.

Um movimento e a ponta da bengala novamente tocou o peito do jovem, mas dessa vez não penetrou a pele. A mão do vampiro a deteve, usando toda a força para segurá-la. Nicolae sorriu, sua mão forçando a haste mais para dentro, forçando Adam a usar ambas as mãos para impedir o estaqueamento.

— O sangue e apenas o sangue, o torna forte, alteza. Lembre-se disso. Pois quando esquecer... — Apesar da resistência, a haste voltou a entrar na carne, fazendo Adam gritar. — Será de um bebê que ceifará a vida.

A dor o fez apagar, acordando apenas na noite seguinte. Adam passou as horas pensando naquilo que viria, e no que poderia fazer a respeito. Mas sem formular qualquer plano genial. O padre não estava lá então, apenas os guardas a lhe jogar o prisioneiro cela a dentro.

Adam hesitou o quanto pôde, se negando a responder as muitas perguntas do homem. A noite avançou cada vez mais, enquanto o vampiro postergava, na vã esperança de algo que o livrasse daquele terrível fardo. Mas quando o dia já se aproximava de nascer, cumpriu sua obrigação, dando vazão a seus instintos animalescos.

Saltando sobre o homem que se debatia, usou sua grande força para subjugá-lo, encravado os dentes em seu pescoço. O sangue era delicioso, e capaz de lhe tirar qualquer noção de moral ou hombridade. Adam deixou-se levar por ele, e ao dar por si, tinha apenas um corpo sem vida em seus braços. E assim ele descobriu o quão difícil era não matar quando o monstro assumia.

— Precisa aprender a controlar-se, jovem Adam. Isso não pode se repetir — alertou o velho, na noite seguinte. — O mortal seria seu alimento pelas próximas seis noites, foi muita irresponsabilidade saciar-se nele. Agora jejuará até a próxima semana, o que exigirá ainda maior auto-controle para poupar o próximo.

E ele estava certo. Após tantas noites sem sangue, Adam não foi capaz de resistir a entrada daquele pobre ladrão. Caiu sobre ele com voracidade, bebendo até a completa saciedade.

E assim se passou outra semana sem mais qualquer gota de sangue. Porém na vez seguinte, o vampiro estava sob controle. O sabor era doce e convidativo. A sede era intensa e opressora. Ainda assim, Adam conseguiu parar. Bebeu mais do que devia, mas ainda muito menos que das vezes anteriores. O homem estava fraco, mas ainda semi-consciente. E Adam bebeu dele nas noites seguintes. Não falava com ele, não o olhava nos olhos... apenas forçava-se a vê-lo como um boi de quem um homem se alimenta. E por fim, na sétima noite, tomou sua vida. Bebeu até que o coração parasse e não houvesse mais sangue no corpo.

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