Andy se viu sobre quatro patas, com músculos e tamanho dignos de um monstro de cinema! A dor começou a diminuir, dando lugar a uma vontade louca de correr e caçar. Seus novos sentidos ouvindo os berros do outro lado, o cheiro de tabaco sufocando e enraivecendo o monstro. O som do velho mexendo em maços de chaves deixou claro que logo aquela porta seria aberta. Um gesto desnecessário. A porta foi arrombada com facilidade por um bicho meio-homem, meio-lobo, que parou rosnando face-a–face com um velho trêmulo e de olhos arregalados caído diante de si.
— ... santo Deus. — murmurou ele, instantes antes de perder a consciência.
E desmaiar de medo pode ter sido justamente sua salvação, pois o garoto-lobo perdeu o interesse em dilacerá-lo após isso. O monstro correu pelo corredor, desceu a escada e atravessou a porta, iluminado pela luz da lua e escondido de olhos curiosos pela escuridão da noite.
Seu mundo foi logo invadido por cheiros de pessoas, de objetos, árvores e bichos. Ele correu, atravessando ruas desertas até chegar aos limites da cidade. E então uivou, alto e claro, externalizando a selvageria que trazia no peito.
Andy sentiu ser dono de um corpo muito forte e rápido, mais que qualquer humano devia ser. E por falar em humanos... conseguiu sentir o cheiro de alguns deles, mata à dentro. Ele se aproximou furtivamente da fonte dos odores, espreitando entre as árvores. Viu um casal de jovens, a única fonte de luz vinda dos celulares próximos aos dois. A garota encostada contra a árvore, com o rapaz entre suas coxas, os dois suando entre beijos intensos e mãos que passeavam sobre os corpos um do outro. Ele ouviu seus sons, o cheiro do suor e as palavras sem sentido que ele falou enquanto ela riu, sem nem sinal de perceberem-no.
O lobo se viu atraído pelo cheiro deles. Cheiro de gente. Um cheiro bom. "Qual seria o gosto deles?" Andy se perguntou, salivando ao se aproximar da carne que saciaria sua grande fome. Então, o horror! A percepção do pensamento, o medo daquilo que se tornou e a fuga como única opção.
Tudo virou um grande borrão quanto o garoto-monstro fugiu pela floresta, pensando em qualquer coisa que não fosse comer, evitando olhar para a lua brilhante no céu, que o convidava a abandonar toda humanidade e se juntar aos outros filhos da noite. Ele avançou sem destino, se cortando e machucando durante uma corrida insana, tentando achar forças para dominar a si mesmo.
Sua luta interna pareceu levar uma eternidade, até ser bruscamente interrompida. Andy mal teve tempo de sentir o cheiro da criatura, e um golpe forte como a batida de um carro o lançou contra o chão. A dor de cortes profundos no peito de onde jorrava sangue abundante trouxe o garoto de volta a consciência. Então contemplou um monstro tão assustador quanto ele se imaginou ser, de pé, logo à sua frente.
— Tu é novo nisso, não consegue controlar a raiva. — não era uma pergunta. A voz cavernosa era de alguma forma familiar, vinda de um monstro de pelos marrons e olhos negros.
O garoto foi tomado então pelo medo. Sentiu que seu agressor era muito forte, com garras afiadas que o feriram com gravidade. Por um momento ele se esqueceu do que se tornou, e se viu como um simples garoto diante de uma criatura saída de um pesadelo. O medo o fez hesitar, e essa hesitação encerrou a luta.
Um golpe, e depois outro. O garoto monstruoso se viu vítima de uma chuva de poderosos murros, capazes de fazê-lo chocar-se contra as árvores com violência sobre-humana. O sangue começou a embaçar sua visão, a dor e a fome o levando a inconsciência...
Andy acordou com o sol no rosto e uma sensação boa de quem dormiu tudo o que precisava, após muito tempo. E o melhor, sem pesadelos. Cama macia, lençol limpo, tudo muito bom, até perceber que não sabia onde estava. Ele se viu em um quarto grande, com um guarda roupas, mesinha, cama de casal e uma infinidade de outras coisas menores. Quadros na parede exibiam um casal de senhores que não reconheceu, assim como uma bebezinha no colo de um garoto com cara de travesso. De repente, barulho de porta abrindo e um sujeito familiar surgiu.
— Toma! — Jimmy falou, jogando um par de roupas limpas em cima do garoto deitado. — Veste isso, bate um rango e sobe a escada para o sótão. Temos que botar tudo em pratos limpos.
Andy levantou devagar, desorientado, no processo percebendo que estava nu sob o lençol. Ele logo se vestiu, sentindo dores onde recebeu os golpes do monstro. Teria sido um sonho, afinal?
Sem saber em que pensar ele saiu do quarto. A cozinha da casa era grande, com uma mesa de madeira no centro, ovos, enroladinho de salsicha, bacon e refrigerante por cima. Apoiada na mesa, uma garota já conhecida olhou para ele.
— A bela adormecida acordou, pensei que estivesse em coma — disse a menina do pub, de cabelos soltos na altura dos ombros, dessa vez vestindo um short e uma blusinha da Hello Kitty. — E ai, a surra que o Jimmy te deu ainda tá doendo muito?
Como ela saberia daquilo se fosse um sonho? Por inacreditável que fosse, parecia ter sido tudo verdade.
— Se mete não, ô Hello Kitty — resmungou ele —, onde tá o Master Chef?
Ela riu com a resposta e apontou com o pé para uma porta velha à esquerda. O garoto pegou uma porção grande de bacon e enfiou na boca, depois foi em direção a porta semiaberta que levou a um pequeno cômodo de onde se podia subir ao sótão. Lá em cima, o barman revirava um monte de caixas cheirando a mofo, fazendo ratos saírem de seus lares em frenesi, enquanto falava:
— Você é um Licantropo cara, ou lobisomem, se quiser chamar assim. Aposto que ninguém te disse isso ainda — disse observando o garoto — Eu sei disso pois também sou um, e minha irmãzinha Mandy, também. Simples assim.
Andy ficou paralisado com a notícia. Foi tudo tão rápido e inesperado que não teve tempo para digerir nada, mas agora que parava para pensar, fazia todo sentido. Era até bem óbvio! A transformação na lua cheia, o uivo, a aparência... era inacreditável. Ouvir de alguém que você era um bicho de histórias infantis mudava tudo. E ainda saber que um barman e a irmã garçonete dele também eram, tornava a coisa ainda mais estranha.
— Isso explica um bocado de coisas — disse ele, olhando para as próprias mãos.
— É cara, você tá cheirando a leite mesmo — Jimmy falou, movendo uma prateleira do lugar, seu rosto suando pelo lugar abafado combinado ao esforço — Tive que te meter a porrada ontem. E vou fazer de novo, até você aprender a controlar essa coisa que tem ai dentro, antes que mate algum vizinho ou seja morto.
— Então tem como controlar? — perguntou um Andy interessado na conversa.
— Negócio é o seguinte: toda lua cheia é mais difícil de se conter, e dominar o bicho leva tempo — Jimmy foi falando enquanto organizava a bagunça e abria espaço —, e é justo nesse tempo que você pode fazer uma merda sem tamanho!
Quando terminou, tirou um pano do bolso e enxugou a testa, encarando Andy com seriedade.
— Você pode sair daqui agora e mostrar que "sabe se virar", e aguentar as consequências, quando a merda que fizer explodir. — Alguns passos em direção ao Andy, olhar fixo. — Ou ficar aqui, seguindo minhas ordens até aprender a dominar seu monstro, pelo menos até o período de lua cheia acabar.
Jimmy apontou para o resultado da arrumação com um gesto: o sótão fedorento, cheio de teias e ratos, um colchão fino e manchado sobre o chão e mais uma diversidade de coisas inúteis, cercando um objeto em especial que chamou sua atenção.
— E ai, qual tua resposta, garoto?
Andy parou um momento para digerir tudo o que ouviu. Ele era um lobisomem, um monstro muito forte e capaz de devorar pessoas. Não foi um sonho, ele não era o único e aquilo não iria parar de acontecer. Olhou para o sótão, olhou para o Jimmy, e por último para a corrente grossa presa na parede com uma coleira de ferro na ponta. Respirou fundo e olhou nos olhos do sujeito, do seu igual tão diferente, dando a única resposta que podia:
— Negócio fechado, cara.
***
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E vamos ao próximo!
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Filhos da Noite
VampiriAdam desperta! Trezentos anos após seus inimigos lhe arrancarem tudo, o vampiro tem finalmente um motivo para retornar: Claire Winnicot. Uma universitária de psicologia que se revela a reencarnação da sua esposa assassinada. O imortal fará qualquer...