Candidata Nº1

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Ayana tinha aprendido a conviver com o mal humor de Asmyr, mas isso não significava que ela gostava dele. Os dois quase não conversaram depois da primavera e ela estava determinada a mudar aquilo. Como ela e Asmyr ainda dividiam o quarto ela o via todos os dias, isso sem mencionar o sem fim de reuniões que os dois compareciam. Em sua maior parte para negociar a paz entre Naturalis e Feéricos. Ayana sabia que as negociações estavam chegando a um fim e por tanto a estadia dela ali também. E pensar naquilo abria uma ferida feia e dolorida em seu exausto coração. A noite que ela e Asmyr tinham passado juntos ainda enchiam a sua cabeça, fazendo com que ela alimentasse sentimentos que não teriam a menor chance de florescer. Eles eram de espécies diferentes, mundos diferentes. Ele era imortal.

Ela não.

E além de tudo Ayana sabia que não pertencia ali, ela não era como aquele povo louco e faminto por magia. Não era nada como eles... com exceção talvez a Asmyr. Ele era capaz de trazer para fora dela coisas que Ayana jamais pensou que possuía, coisas que agora ela sabia que teria que esconder para sempre. No mundo dela, ninguém aceitaria aquele tipo de loucura, aqueles pensamentos enigmáticos e humor negro que ela tivera de aprender para sobreviver ali. Isso quase era o suficiente para que ela desejasse jamais voltar para Arzua. Quase.

Ayana e o príncipe feérico estavam deitados em uma cama de rosas, ambos olhando para o teto pintado com estrelas e a imensidão azul.

—Estava pensando... que seria muito útil saber usar minhas asas. — Depois de um tempo sem receber nenhuma resposta ela continuou. — Já que parece que elas não vão a lugar nenhum. Asmyr suspirou sarcasticamente.

—Provavelmente não vão mesmo. Resmungou ele depois de um minuto e por fim disse. —Posso te ensinar a voar se quiser. Ayana sorriu de vagar, ela tinha conseguido o que queria sem nem ao mesmo ter que perguntar, mas ela ainda não tinha terminado.

—Se você insiste. Respondeu dando as costas para ele na cama, guardando o sorriso para si mesma quando ouviu o distinto som de Asmyr rangendo os dentes.

***

Ayana não gostava de acordar cedo, mas ela não reclamou quando Asmyr a acordou antes mesmo do sol começar a despontar no horizonte. Ele a tinha carregado ate os planaltos das Cortes, onde montanhas altas e ricas em vegetação eram tudo o que ela podia ver.

—Você não vai me jogar daqui vai? Perguntou ela enquanto eles ainda sobrevoavam as montanhas.

—Seria uma ótima maneira de acabar com grande parte dos meus problemas. Ele respondeu com um sussurro no ouvido dela.

—Não foi isso que perguntei.

—Acho que você consegue descobrir a resposta sozinha. Ayana riu para si mesma, ela gostava daquilo. Da dedução e do mistério. Ela percebeu que realmente gostava dos feéricos. Os dois pousaram no cume de uma montanha coberta por neve branca e fofa, vários metros abaixo, no sopé da montanha, havia um lago límpido e com águas azuis muito escuras. Aquela altura o sol tinha começado a nascer e coloria tudo com um singelo brilho dourado.

—Você já andou de bicicleta? Amyr quis saber enquanto Ayana alisava as asas que caiam ao seu redor.

—Claro que sim. Por que?

—Me disseram que a experiência é muito parecida. Ayana lhe deu um olhar sarcástico, para demonstrar que duvidava. —O primeiro passo é sobre ter confiança. A garota balançou a cabeça para demonstrar que não tinha entendido, mas era tarde de mais. Ela sentiu o empurrão forte entre suas omoplatas. Em um minuto ela estava olhando para Asmyr e reparando como a luz do sol fazia com que os cabelos dele parecessem mais dourados do que prateados e no outro ela estava caindo. Seu grito rasgou o céu e fez que os pássaros ao seu redor alçassem voo. Aquela era uma queda de pelo menos cinquenta metros e se não fizesse algo ela atingiria o chão em segundos. Ayana usou todos os músculos de suas costas para estender suas asas, tentando desesperadamente não pensar no quão rápido ela estava caindo. As asas se abriram com um estrondo e Ayana planou no ar, ganhando alguns segundos antes da colisão eminente. Bater as asas era um esforço completamente diferente, as duas metades precisavam bater em sincronia e Ayana só conseguia se concentrar em uma de cada vez. Ela já conseguia sentir o cheiro frio da água em suas narinas. Caindo daquela altura, atingir a água deveria ser o mesmo efeito de cair em concreto solido. Ela estava a menos de um metro da água quando sentiu seu corpo sendo puxado para cima, com força o suficiente para que os ossos em sua coluna se estalassem. Como na primeira vez que eles voaram juntos, Ayana podia sentir o sacolejo da gargalhada de Asmyr. Ele pousou de novo sobre a montanha e colocou Ayana no chão, ela ergueu os olhos com dificuldade e o encarou raivosa.

—Nunca. Mais. Faça. Isso. Essa sibilou na direção dele, cada palavra continha uma gota a mais de veneno.

—Achei que queria aprender a voar borboletinha. A voz dele era divertida e sarcástica e Ayana não conseguiu evitar de despejar todo seu café da manha em cima dele. Asmyr fez uma cara de desgosto, mas se desfez de toda a sujeira com um simples gesto de mão.

—Eu quero aprender a voar, não ser jogada de precipícios.

—É quase a mesma coisa. Além do mais, eu jamais deixaria você cair.

—Mais foi canalha o suficiente para esperar ate o ultimo segundo para me pegar. Ele deu de ombros inocentemente.

—Queria saber o quanto você consegue fazer sozinha. Ayana apertou os olhos na direção dele e o feérico suspirou. —Você precisa aceitá-las. Suas asas. Você passa a maior parte do tempo fingindo que elas não são parte de você, mas para voar, vocês precisam ser uma coisa só.

—Elas não me obedecem. Reclamou Ayana e o príncipe apenas revirou os olhos.

—Você não esta me ouvindo. Se você começar a trabalhar junto com suas asas, elas vão fazer o trabalho sozinhas. Como seus pulmões sabem que devem respirar, como seu coração sabe que deve bater. Ayana só tinha um pequeno problema com aquilo, um problema bem pequenininho. Aquelas asas não eram dela, elas tinham sido colocadas ali por Asmyr. Elas eram belas e delicadas com cores sutis e pálidas. Ayana não era assim. Ela era escura e sombria, cercada por mistérios e protegida por uma magia que ela não entendia. Então, se queria fazer aquilo, se queria voar, ela precisava criar suas próprias asas. Ayana era uma artista, então ela deixou que sua criatividade a guiasse. As asas transparentes se tornaram escuras como fumaça, ao invés de parecerem finas e delicadas elas eram macias e suaves como veludo. Os traços roxos ainda estavam lá, delineando as membranas e criando os mesmos padrões aspiralados presentes nos desenhos em suas pernas. Magia ondulou por ela, poderosa e rica, fazendo com que seu sangue parecesse um líquido efervescente e quando abriu os olhos as asas eram exatamente as que ela tinha imaginado.

—Que tal agora? Asmyr a encarava sem deixar nenhuma emoção passar pela mascara impenetrável que ele usava em seu rosto, apesar de ela acreditar ter visto um vislumbre de surpresa em seus olhos.

—Vou decidir quando você pular. Ayana olhou para o penhasco abaixo de si e não hesitou antes de pular na imensidão azul.

A Herdeira Do TronoOnde histórias criam vida. Descubra agora