Prólogo

329 47 190
                                    


Por mais animada e cheia de brilho que a festa estivesse, a atenção de Guilherme estava voltada para a vodka em sua mão, que à vista do esbelto estudante estava mais atraente que as garotas suadas daquele bar impregnado com o cheiro de maconha.
Guilherme gostava de beber, mas esta noite percebeu que talvez tivesse ido um pouco longe.
Talvez, nem tanto, considerando que ainda parecia sóbrio. Por outro lado, distante assim dos outros jocosos historiadores recém-formados, parecia mais um desses jovens cabisbaixos, neutros – o que com certeza não era.
Tentando manter a temperança, pôs a última garrafa que pretendia esvaziar no balcão. Enquanto a música ensurdecedora mexia os corpos das pessoas na pista de dança, sua cabeça estava começando a latejar. Piscou freneticamente algumas vezes e então olhou para a garrafa novamente. Havia mais ou menos um quarto do conteúdo total da bebida que ele enxergava oscilantemente. Pegou a botelha, levando-a até a boca e começou a beber de novo, desistindo da moderação.
Alguém sentou no banco ao seu lado e apoiou o queixo com a mão. Parecia esperar outra pessoa. Guilherme esticou o olho para o lado enquanto bebia, virando a garrafa. Viu de relance que se tratava de uma garota – uma bela garota de cabelos negros e pele clara. Ele olhou para ela com mais atenção. Vestia uma camisa preta com a estampa enorme de caveira e um short branco. Tinha lábios carnudos e corpo sarado, com uma tatuagem bizarra e, estranhamente, sensual na coxa, de uma caveira alada voando por cima de duas guitarras cruzadas. Não estava bêbada nem drogada, então decerto não era universitária ou simplesmente acabara de entrar na festa. Notando a observação pertinaz de seu novo admirador, ela suspirou impaciente, olhando para sua esquerda, lado oposto ao dele.
Guilherme sorriu, mexendo na garrafa, que ainda continha mais ou menos um ou dois copinhos de cerveja. Aproximou sua boca do tenro pescoço descorado com um sorriso lateral, esticando-se no balcão.
— Ei. — ele disse.
Ela olhou para ele rapidamente e o ignorou. Guilherme sorriu outra vez, voltando à posição confortável.
— Tá na cara que você não vai me dar valor.
— Que bom que você notou. — ela disse com frieza.
— Então, eu posso te encher dessa cerveja até você me enxergar bonito? Assim você vai querer ficar comigo.
— Tá tentando me fazer rir com essa piada idiota tirada da internet?
— É, mas já notei que não vai funcionar. Você não é vulgar; é séria e... — ele suspirou com os olhos arregalados — fria. Mas eu acho que gosto disso. É pra me agradar?
A garota riu descrente. Não era algo para se sentir na vantagem; aquele sorriso estava carregado de ironia.
— Ah, você gosta? — Ela perguntou, ainda no tom do sorriso.
— Sim, sim. Mulher séria é sempre mais inteligente.
— E com certeza, caras alcoólatras e festeiros como você curtem muito garotas inteligentes, não é?
— Não sei muito sobre alcoólatras e festeiros, mas sei que você julga muito rápido.
A linda roqueira virou-se para encará-lo. Ele abriu então um sorriso lateral, encarando de volta seu olhar sedutor.
— É mesmo? Então que tipo de cara é você?
— Bem, isso cabe a você descobrir.
— A mim? — ela perguntou, levantando uma sobrancelha.
— Claro que sim, — ele respondeu com charme — porque com uma “piada idiota da internet” eu consegui uma conversa com você. Você quer saber que tipo de pessoa eu sou, e vai precisar de muito mais do que isso. Eu tenho uma sugestão: aquela piada estava mais pra uma pergunta. Que tal responder positivamente?
Ela sorriu e desta vez havia uma deliciosa sinceridade. Guilherme percebeu a beleza de seu sorriso discreto. A garota olhou para ele ainda alegremente e balançou a cabeça.
— É. Você sabe agradar, mesmo bêbado.
— Eu nem estou realmente bêbado, ainda.
Ele levantou o braço dobrado novamente para pegar a garrafa de cerveja, mas algo empurrou seu cotovelo, jogando sua mão aberta contra a garrafa, que caiu derramando o conteúdo sobre o balcão. O rapaz enciumado que envolveu a garota com o braço foi o responsável pelo desperdício, mas não deu importância à perda de Guilherme, que obviamente ficou furioso. A garota, por sua vez, estava tensa. Chateado, o garçom veio e limpou freneticamente a sujeira com uma flanela e depois saiu sem dizer mais nada.
— Kelly, quem é esse? O que tá falando com ele? — o moço perguntou, olhando para Guilherme com os olhos de um lobo faminto. 
— Nada, nada. — a jovem, chamada de Kelly, explicou-se com apreensão.
— A gente tá falando do seu nível reduzido de intelecto, sua mula.
— Como é? — O ciumento voltou-se para Guilherme. Ele se ergueu do banco, quase igualando a altura entre os dois.
— Você derramou a cerveja. — esbravejou, pondo com força a garrafa no peito do rapaz — Vê se paga agora, idiota.
O brigão segurou a garrafa, pois Guilherme não iria fazê-lo. Ele passou o olhar em todo o salão cintilante, voltou-o rapidamente para Kelly e saiu caminhando para a porta da saída do bar, já que a música continuava e ninguém notara seu grito impensado. O rapaz olhou indignado para sua namorada, que para manter a postura de fidelidade deu de ombros.

Prisões de Guarani - versão gratuitaOnde histórias criam vida. Descubra agora