A porta de ferro e vidro era a mesma de quando Ceci deixou este lugar e suas terríveis lembranças. Ela hesitou antes de bater três vezes.
— Já vai! — uma voz feminina gritou lá de dentro. Cecília esperou um longo tempo até que finalmente se abriu. Era Célia. O rosto ainda era como quando Ceci foi embora: vencido pelo tempo e jogado para baixo por causa da postura terrível que adquirira. Ela se enroupava de um velho vestido repleto de pétalas de rosas e o cabelo meio grisalho, meio preto estava amarrado num coque feito de qualquer maneira. Nenhum sorriso. Nenhum aperto de mão. Nenhuma palavra, até que Ceci finalmente cumprimentou:
— Olá, Célia.
— Oi. — Célia a mediu com os olhos bem devagar.
— Celeste tá aí? — Ceci perguntou.
— Não. Escola.
— E o pai?
— Trabalhando, Cecília. — a mãe adotiva estava ficando impaciente.
— Eu posso entrar?
— Se for dinheiro...
— Não é. — ela não deixou que sua mãe terminasse a ríspida fala.
— Entre. — Célia abriu caminho para ela.
A casa tinha cheiro de passado. Literalmente. Se Ceci tem boa memória, então sua mãe costuma usar os mesmos ultrapassados produtos de limpeza de quando ela era apenas uma criança. Tudo estava em seu devido lugar, como ela se lembrava e nada na arquitetura havia sido transformado também: o piso, o teto, a pintura e aquela sensação abafada que a sala tinha. A única diferença é que tudo parecia menor, depois que ela cresceu.
— Quando tempo, né? — Célia a experimentou, cruzando os braços.
— Me deixa ir direto ao ponto. — Ceci respirou fundo — Vim aqui pra saber onde me encontrou.
— O que? — a mãe adotiva perguntou, desfazendo a cruzada de braços.
— Qual é o nome do orfanato?
— Bem, ugh... Por que você quer saber isso agora?
— Só me diz — Ceci pediu com clareza — o que eu sou.
— Do que você tá falando, menina?
Cecília não quis se demorar: abriu os braços e dezenas de pequenos animais invadiram a casa. Sapos, coelhos, camundongos... Alguns micos cinzentos, os saguis, escalaram suas pernas e ficaram agarrados aos ombros. Célia gritou e depois parou, observando sem fazer um único questionamento. Ceci sabia que a mãe era assim mesmo.
— Eles não vão machucá-la, se eu não quiser.
Célia olhou para Ceci e ela continuou:
— Os animais me servem e eu consigo imitar as habilidades deles.
— Santo Deus!
— Mãe — Ceci a fez olhar em seus olhos —, o que eu sou? Onde me encontrou?
— Fique longe de mim, seu monstro! — Célia se afastou assustada até suas costas toparem com a parede.
Ceci perdeu a calma e imediatamente todos os animais ficaram imóveis e olharam para ela ao mesmo tempo como zumbis controlados.
— Chega. — ordenou Ceci — De onde eu vim e o que eu sou? Onde você me encontrou?
— Eu não sei de onde você é. — a mãe jurou — Eu não adotei você.
— O que?!
— Eu fui enfermeira de sua mãe biológica. — explicou Célia — Eu não podia ter filhos, então peguei você.
— Você me roubou de minha mãe?! — Ceci berrou furiosa e todos os animais ali fizeram grunhidos ameaçadores. Célia levantou as mãos tremulantes. Ela questionou — Qual era o nome da minha mãe?
— Eu não sei. — Célia respondia quase em prantos — N-não lembro. Acho que era Teodora.
— De quê?— Eu não sei! Tenho certeza que o nome era Teodora. Por favor, não deixe essas coisas me atacarem.
Cecília saiu do local e os animais acompanharam seus passos. Célia parecia sentir remorso.
— Me desculpe, Cecília. — a mãe pediu enquanto ela saía. Cecília parou na porta.
— Você me roubou da minha verdadeira família porque sentiu inveja dela. Aí, um dia, por ironia do destino você engravida e não me quer mais. — Ceci olhou para trás, pra ela — Me tratou como lixo a minha vida inteira e eu nem sabia que a culpa não era minha. Cada sofrimento que eu tive foi por não ser verdadeiramente amada. Eu nunca vou perdoar você.
Deixando as portas abertas, Ceci sentiu vontade de chorar, mas não o fez. Naquela tarde de sol, jurou a si mesma nunca mais sentir o peso do desamor que sofrera no passado. A fauna e a flora eram um com ela, era o que sentia. Essa era sua família. Cecília de Souza caminhava velozmente em direção ao aventureiro futuro.
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Prisões de Guarani - versão gratuita
Fantasy🏆Terceiro lugar no concurso PAX 🏆Prêmio de melhor vilão (Deusa Jaci) A vida pouco comum de Maya Nindberg, herdeira de um verdadeiro império e com os sonhos na palma da mão, passa a ser ameaçada por forças super-humanas ao descobrir que sua falecid...