6. Isabelle

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A sala de aula de Medicina tinha um cheiro gostoso como o café quente em manhã de chuva e ventania, não como o café que Isabelle Allende tomava nas madrugadas para manter-se estudando. Ela respirou fundo e abriu os olhos, examinando com Maya e Nina o movimentar dos alunos que entravam apressados. Haviam chegado primeiro; estavam ansiosas como nunca antes! Mas dentre todas elas, Belle era a mais emocionada. Suas duas pernas não paravam de saltar sobre os pés com muita velocidade. As mãos batiam na carteira, apesar de Belle odiar o barulho de batuques.

Ela sempre permitiu que os sentimentos fossem os ditadores de suas atitudes públicas, mas não era esse o motivo principal de seu júbilo iluminado. A menina de fazenda tinha um coração que palpitava intensamente pelo sonho de ser cirurgiã. A base natural de sua estrutura era viver de salvar vidas. Quando pequena, já era entretida com livros, séries e filmes sobre o dia-a-dia dos médicos. Unicamente sobre isso. Bonecas bebês que diziam aquelas frases estranhas? Cozinhas em pequenas casas de plástico? Chás em mesinhas com uma porção de animais de pelúcia? Não, nada assim lhe chamava atenção. Sozinha, costumava fazer curativos nos outros juvenis. Quando adolescente, seu prazer era injetar soros nas tão belas veias verdes e azuladas de quem lhe desse a confiança para fazê-lo. Quando a época finalmente chegou, já há muitos anos sabia o que queria, e aqui estava ela. Vitoriosa. Radiante. Diante da perfeição.

Outro sentimento que se encorpava rapidamente era a honradez. Belle tinha o costume de dar orgulho à família Allende de Gouveia. Era seu propósito cada vez mais trazer sorrisos aos rostos de seus pais. Dionísio, o patriarca, sonhava para a filha única o que ela sonhasse para si, pois bem ensinou-a a ser extraordinária e nisso ele e Hilda, mãe de Belle, confiavam.

Enquanto os sentimentos de Isabelle a travavam no primeiro dia, Nina Varell fazia autorretratos com seu sedoso cabelo marrom-negro e Maya Nindberg relia algum livro. Belle não entendia como elas conseguiam ser tão contidas.

- Qual o problema de vocês duas?! - perguntou.

- Como assim, Belle? - disse Nina.

- Como podem não estar tão ansiosas quanto eu?

- O que torna nossa amizade tão perfeita são nossas diferenças.

- É. - Maya concordou, ainda olhando o livro.

- O que querem dizer? - Belle ergueu uma sobrancelha.

- Eu estou feliz como nunca antes! - Nina sorriu jubilosamente - selfies são meu jeito de mostrar isso. Maya, por outro lado, esteve feliz "como nunca antes" até ontem. Hoje, ela tá só... estudando.

- É. - Maya confirmou, ainda lendo.

- E você é a garota que consegue fazer as artes da celebração e da neurose simultaneamente, mas sem perder a beleza e a fofura da pessoa que é.

Belle riu, ficando mais relaxada. Era o que Nina queria.

- Relaxa, amiga. Olha bem pra tudo isso ao nosso redor.

Belle olhou. Maya ergueu a cabeça, puxou o cabelo liso para a orelha e observou junto.

- Tudo isso é nosso. - Nina disse com felicidade - Nós vamos ser médicas. Vamos salvar vidas! - ela olhou para Isabelle e repetiu com a calmaria de uma brisa - Você vai salvar vidas, Bel! É disso que vai viver.

Belle encharcou seus olhos de azul forte e pálpebras caídas. Suas pernas pararam de se mover tão rápido. Ela realmente havia relaxado, graças às amizades que a faziam tão feliz. Sorriu para elas e voltou a esperar, mais calma. Maya, retornou a seja lá o que estivesse lendo e Nina tirou mais uma foto de si mesma, mandando beijos para a câmera.

Prisões de Guarani - versão gratuitaOnde histórias criam vida. Descubra agora