24. Maya

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O banco no qual Maya foi obrigada a sentar fedia a suor e urina de criança por algum motivo. Apesar de saber que os guardas pouco se importavam com dar um nome àquele banco onde a colocaram, ela o chamava de "banco das entrevistas" porque era sempre aqui onde aconteciam. 

Nina foi trazida para cá e pareceu se arrepender de ter apoiado as mãos naquela madeira ao sentir o cheiro. Lembrando que não tinha roupa de baixo e estava desprotegida, Maya se ajeitou para ficar apoiada à borda. 

— Eca! — Nina disse.
— Eu também senti o cheiro. — Maya dizia, olhando para o chão.
— Parece urina de criança misturada com o suor de um quarentão.
— Exatamente.
— Há quanto tempo está aqui?
— Há tempo suficiente pra me acostumar.
— Meu interrogatório não acabou muito bem. — Nina deu de ombros — Preciso de um advogado. 

— Pelo menos, você demorou um pouco mais. — Maya esfregou o nariz e olhou para ela — O meu interrogatório durou dois minutos porque eu só comecei a chorar e repetir "Não fui eu, não fui eu". 

Nina olhou para ela com descrença. 

— Você, chorando? 

— Pelo visto, você só se conhece de verdade quando vai pra cadeia.
Nina se aproximou e pôs sua mão por cima da dela. 

— O que vão fazer com a gente? 

— Bem, — Maya olhou ao redor — esse parece ser o cenário das entrevistas que eles fazem no jornal local, mas acho que eles estão demorando um bocado. Tomara que nem apareçam.
— E o Guilherme? 

— Não passou por aqui. Acho que ele se saiu bem. 

— Quem diria! É melhor a gente não ver esse cara nunca mais. 

— Por quê? 

— O policial disse que ele matou alguém. É procurado por assassinato. 

Maya ficou surpresa, mas estava tão preocupada com o futuro que nem pensou no que dizer a respeito. 

— Bem — Nina parecia ter percebido o quanto sua amiga estava mal. Mudou de assunto —, o fato é que, a julgar pela nossa situação, nós provamos que nem toda garota rica tem que ser uma perua sem conteúdo. 

Maya sorriu. 

— Eu nunca tive um perfil de perua mesmo. — disse gargalhando. 

— Não com seus tênis All Star e calças jeans baratas. — concordou Nina.  

— Saudade do meu All Star. 

Elas riram juntas até que dois policiais trouxeram um rapaz esquelético e cheio de feridas a sarar na pele negra de seus braços e pernas. Ele usava uma bermuda desbotada e uma camiseta verde em xadrez. Era Aldo, que como sempre fedia como os bois que alimentava na fazenda da família Allende e se mantinha a mascar um chiclete que já nem tinha sabor para dar. De qualquer forma, Maya agradeceu por não ter que encarar o senhor Enrico. 

— Quê?! — Aldo olhava e olhava de novo. Ele parecia não acreditar
— E aí, fedorentinho? — Nina cumprimentou-o como sempre o fez.
— Cês destruíram a fábrica do sinhô Enrico?
— Não foi a gente. — Maya disse.
— Ah, e a políça prendeu vocês tudinho de zoação, né? 

Às vezes, era um tanto complicado entender o que esse rapaz rude e desengonçado dizia, mas Maya imaginou que com "zoação", ele quis dizer "brincadeira". Ela respondeu apenas com um dar de ombros irresponsável. Ele franziu o cenho e cruzou os braços com raiva. 

— O senhor representa a rede de fábricas? — perguntou um dos policiais. 

— O sinhô Enrico mim mandou pra dar queixa. 

— Então, o senhor pretende dar queixa, não é? 

Maya e Nina ficaram tensas, mas sem motivo. Em seguida, Aldo anunciou:
— Não, não. Tem pra quê não. 

— Tem certeza, senhor? 

— Essas peste aqui é tudo amiga do sinhô Enrico.

O policial riu discretamente. 

— Tudo bem, então. Assine os documentos que serão mostrados, por favor. 



— Agora — Aldo avisou ao saírem da delegacia —, tu vai ter que pagar, viu, Maya? Eu vou ligar pro teu pai e... 

— N-não precisa. — Maya falou por cima dele de reflexo — eu mesma falo com ele. Pode dizer ao senhor Enrico que a reconstrução e restituição dos equipamentos começam na semana que vem. Diga a ele que não ligue pro meu pai. Ele está muito, muito ocupado. 

Aldo parou, olhando ara ela sem entender bem. Nina, não conseguindo esconder a tristeza, cobriu o rosto com seu longo cabelo. Maya procurou se manter tranquila. Do outro lado da caminhonete grande, alguém desceu pelos degraus, mas ela não conseguiu reconhecer de relance.   

— Tá certo, então. — Aldo disse ao subir no veículo — Tu é muito doida!
— A gente se vê, Aldo. 

— Valeu, Aldo. — Nina acenou.
— Té mais. — Aldo ligou a caminhonete e gritou enquanto saía — Té depois, Isabelle.
— Isabelle? — Maya questionou.
— Não se lembra de mim? — Belle estava ali, à sua direita. O vestido que usava era leve e de um azul claro agradável. Maya sorriu e caminhou até a amiga.
— Tô suja. — avisou — Posso te abraçar?
— Pensei que me odiassem. — Isabelle chorou.
— Só por uns três minutos depois que você nos deixou. — Nina respondeu sorridente. Belle misturou as lágrimas ao sorriso e elas se abraçaram em grupo.
— Tudo bem — Belle se soltou e explicou —, eu fui pra casa, chorei, estudei, chorei, fiquei com um cara gato da aula de Anatomia Humana pra me distrair e quando ele foi embora...
— Me deixa adivinhar: — Nina a interrompeu — você chorou ainda mais.
— É. — Belle coçou a cabeça — Daí, eu abri o computador da Maya e vi todas aquelas pesquisas que ela fez sobre isso. Eu pensei "Que mundo maluco! ", porque é um mundo maluco mesmo!
— Você tem razão. Eu não te julgo. — Maya amenizou, vendo que Belle estava ficando mais frenética.
— Aí eu fiquei muito, muito pior por ter saído do parque e deixado vocês lá, porque vocês são tudo pra mim e eu não posso abandonar vocês assim.
— A gente também te ama, amiga. — Nina declarou.
— Eu sei. Vocês não me abandonariam. Eu... eu... — Belle começou a chorar de novo — eu vou enfrentar o que for preciso pra que nada nem ninguém faça mal a vocês. Eu amo vocês, eu amo vocês! 

Elas abraçaram a amiga novamente. 

— Como sabia que a gente tava na delegacia? — Maya perguntou. 

— Eu não sabia. — ela limpou as lágrimas no ombro que a acolhia — Eu pedi que o Aldo me ajudasse e meu pai mandou que ele viesse aqui pra ver uns bandidos que... Espera. — ela afastou a cabeça — Vocês destruíram a fábrica do meu pai? 

— Muita coisa pra processar tão rápido, amiga. — Maya puxou a cabeça de Isabelle para perto da sua e Nina ajudou a manter o abraço — Vai com calma, que é muita coisa. 

— Vocês precisam de um banho. — Belle criticou desconfiada. 

— Esta é a noite em que tudo acaba, Belle.

Prisões de Guarani - versão gratuitaOnde histórias criam vida. Descubra agora