Prisões de Guarani - versão gratuita

30. Teçá

Teçá lançara seis flechas contra o corpo incandescente do Abrigo de Guarani, que usava Angra para se mover no céu como um enorme e veloz vagalume. Ela se esquivou de todas e as munições explodiram ao cair nas dunas e vegetações. Maya lançou suas chamas contra ele e desta vez Teçá não se mexeu, deixando que o poder de Andurá o segurasse firme. O escudo, porém, estava mais enfraquecido. Afinal, a dona do fogo era Angra. 

Maya desceu às areias avermelhadas por seu calor e quis lutar. Teçá se sentiu superior, pois apesar do incansável vigor da garota, ele era acostumado com a luta. Posicionou-se e esperou que Maya viesse com o mais previsível dos socos. Quando ela o fez, ele apenas se esquivou e chutou a clavícula da garota, que foi jogada contra uma rocha. Ela quase desmaiou e as chamas em seu redor se apagaram por uns momentos.   

Com um único braço, Teçá pegou as ferragens conectadas da metade do veículo que fora derrubado do cânion e as lançou contra Maya, que correu o mais rápido que pôde dali. O impacto daquele peso de quatro toneladas jogou a garota e grande parte da areia para o alto.
Maya se arrastava, formando um grande rastro na orla. Seu corpo outrora nu agora vestia areia. Teçá viu nesse momento que a clavícula da garota estava quebrada em três lugares, mas se consertava devagar. Ele a segurou pela nuca e tornou sua outra mão a Lâmina de Andurá, mas prestes à derrota Maya tornou-se fogo novamente e se soltou, voando para o alto. E ela desceu tão rapidamente que Teçá não conseguiu ver. 

Uma explosão. Fogo, areia e sangue. Sentada sobre ele, Maya usou a força da deusa para martelar o rosto de Teçá com as próprias mãos. Os punhos da menina o queimavam; o escudo havia sido rompido, finalmente. Aquilo doía. Ele sentiu seus dentes amolecerem. Tentou retirá-la, segurando pela cintura, mas o ódio que Maya sentia a tornava poderosa. Teçá se esforçou. Usou as pernas e então jogou a mulher de fogo para longe. Sua cabeça girava, mas ele estava se curando lentamente. Outra pessoa estava tomando suas feridas, lá na aldeia. 

Uma bola de fogo atingiu seu rosto, jogando parte da pele morta para longe. A bochecha direita de Teçá sumiu e seus dentes laterais ficaram à mostra. Maya avançou novamente e ele se esquivou para baixo da terra quando viu que ela o apanharia com as mãos. Subiu pela retaguarda e perfurou suas costas com a lâmina, que atravessou o corpo da garota. Ela gritou.
— Parem! — Teçá ouviu a ordem atrás dele, que ecoou por todo lado. Ele se virou, ainda com Maya presa à sua espada. 

O deus Yorixiriamori estava de asas abertas, com seu brilho dourado iluminando a noite prestes a tempestear. Com olhos arregalados e felizes, Teçá jogou o Abrigo de Guarani para longe e se curvou em reverência. 

— Meu senhor Yorixiriamori. — Teçá disse em sua língua — Estás liberto! 

— Sim. 

— Ajude seu humilde servo a libertar seus divinos irmãos e irmãs. 

— Não é meu desejo que faças isso, guerreiro.

Teçá olhou para ele, descrente. O ser divino fechou as asas e ele pôde ver uma bela mulher montada. Ela tinha a pele de mel e a pintura yanomami por todo o corpo bem definido. Tinha um arco em redor do torso seminu e segurava uma lança de pesca. A princípio, Teçá achou que fosse uma deusa, mas reconheceu aquele olhar de guerreira que sempre existiu no rosto de sua filha. 

— Ayira?! 

— Pai. — ela caminhou até ele. Finalmente, o pai tinha mais uma vez a filha diante de seus olhos. Teçá tocou o ombro de Ayira.

 
— Você cresceu, minha filha. 

— Porém, ainda caço meus peixes sozinha, meu pai. 

Eles se abraçaram como pouquíssimas vezes fizeram em toda a vida. Teçá sentiu aqui o peso do tempo que perdeu, longe de casa em uma missão tão difícil. Se esta era a Ayira, como estariam Iacina, Airumã, Raoni, Toriba e até o próprio shabono? Ele finalmente raciocinou que pelas mortes que sofreu, uma completa ruína estaria se alastrando em seu lar. Seria esse o motivo da viagem de Ayira até aqui?