10. Teçá

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"Foi aqui", Teçá calculou, "Aqui o poder de Tupã foi manifesto".

Enquanto os veículos modernos dos homens sem raça os levavam pela cidade que matou a natureza para ser edificada, a praia ainda tentava entoar sua harmonia de ventos, jogando as ondas e as puxando de volta. As ondas daquela orla não se comparavam a nenhum outro lugar em toda a Terra de Pindorama. Aquela beira-mar estava muito diferente da descrita no conhecimento dos antigos, mas a beleza da praia de Maçaió nunca a deixou, mesmo estando sob constante ataque dos dominadores, com suas nojeiras lançadas ao reino de Iara, deusa das águas. Logo, assim como Pindorama se tornou Brasil e Maçaió quebrantou-se para Maceió, aquele mar de vida tão frágil seria em breve mais uma marca do caos que os mortais de outro mundo trouxeram para cá.

Teçá sabia que havia sido atraído para a praia pela atividade de Tupã, deus do trovão, e Jaci, deusa da lua. Ele conhecia muito bem o rastro de Jaci, ativa de dentro daquela menina esperta, a Ester. E apesar de não ter visto ainda o rosto da prisão de Tupã, ele já o havia sentido antes, naquela noite em que esteve diante da árvore queimada.

Aquele local era feito do pó da terra e não mantinha por muito tempo evidências ou pistas, mas os poderes usados na noite anterior certamente vinham do casal divino. Talvez as duas prisões de guarani estivessem lutando entre si, o que ajudaria a encontra-las e tirar suas vidas de uma vez por todas. Como Airumã, seu pajé, lhe havia aconselhado, ele não podia lutar contra as forças divinas tão no início dessa missão. Precisava ser furtivo diante das prisões ou acabaria como no encontro com a prisão de Angra.

Aquela prisão, aliás, não era comum. Ao contrário das outras, a bela cabocla de olhos pequenos parecia não ser credenciada para a condição de prisão de guarani, afinal a Maldição de Pindorama aprisionou os deuses em linhagens invasoras, não nos homens que eles criaram. Almas conhecidas são abrigos, não prisões.

"Será que...", ele imaginou brevemente, "Não, não. Nunca! ".

A menina conseguiu profanar os poderes de Angra e usá-los em sua vantagem, como Airumã previra antes de enviá-lo para cá. Quantos mais homens de outra terra tomassem Pindorama, mais grades místicas cobriam a luz dos deuses em suas prisões humanas. E um dia, a força e a inteligência divinas começaram a ser acessadas pelos heréticos mortais colonizadores.

Teçá sentiu o poder de Jaci emanar naquele lugar. Era como um cheiro suave que enchia a terra, fazendo com que o mar parecesse sorrir tal qual uma criança que reencontra sua mãe. Assim eram as manifestações da força de seus poderosos deuses. Ele era atraído por aquilo. Era dessa maneira que conseguia encontrar sua presa. Este guerreiro era mais apaixonado por suas deidades do que qualquer outro mortal por sobre a Terra de Pindorama. Sentando-se sobre as areias, ele olhou o horizonte molhado e lembrou de quantos havia que desejavam estar em seu lugar.

***

A luz de um céu azulado e inigualavelmente belo penetrava através das brechas da flora saudável da Amazônia para ornar as águas calmas de um de seus rios. Naquele cenário que Iara, senhora das águas, e Guaraci, o mandante do Sol, arquitetaram com tanta perfeição, peixes acinzentados refletiam a luz que nadava com eles. Impetuosamente, uma lança caiu sobre um daqueles pequenos servos de Iara, prendendo-o entre ela e a areia que se esparramou por alguns segundos e ele soltou-se da vida, deixando-a ir junto ao sangue misturado com a correnteza pacífica.

A menininha de cara pintada, pele da cor do mel e cabelos escuros e lisos que lançou o ataque deu um sorriso de vitória. Teçá, seu pai, estava sentado sobre uma rocha, assistindo-a da margem. Deu um sorriso fechado e quase imperceptível quando a viu contente.

— Eu acertei. — ela comemorou, mas contida, como se apenas estivesse avisando. Sabia que um caçador agia assim, sempre como se nunca houvesse realizado a primeira batalha e vencer fosse comum em seu dia a dia. Queria que seu pai enxergasse um índio caçador quando olhasse para ela, uma mocinha de treze anos. Queria mostrar que não era frágil, mas uma aventureira e guerreira.

Prisões de Guarani - versão gratuitaOnde histórias criam vida. Descubra agora