16. Jonas

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Enquanto Jonas assistia suas lágrimas caírem no carpete rente à cama, os pés de Kelly faziam um pequeno barulho ao caminharem em sua direção.

— Você é o caçula mais chorão que este mundo já viu. — ela disse. Ele ergueu o rosto para vê-la e fez um rápido sorriso serrado.

— Não entendo por que as pessoas sempre querem evitar chorar. — limpou o nariz — Ficam se prendendo aos seus próprios sentimentos não extravasados. Ninguém gosta de estar numa prisão.

— Elas devem fazer isso porque chorar não serve muito. O que houve contigo?

— Não, esquece. Você vai viajar amanhã e...

— E por isso tudo tem que estar perfeitinho? Se você ficar sofrendo, não vai ser tão perfeito.

— É só uma besteira, Kelly.

— Hum. — ela puxou os lábios para a direita e apontou para a tatuagem que havia em sua coxa — Ei, você sabe o que significa isso aqui?

— Essa caveira com asas?

— Sim.

— Arte satânica?

Kelly gargalhou:

— Não. Por mais que não possa parecer nada disso, caveiras significam uma proteção a quem você ama. Esta aqui, com asas, significa que se eu estiver com quem amo, tudo ficará bem.

Jonas olhou nos lindos olhos de sua querida irmã. Ela afagou sua cabeça e prometeu:

— Conta comigo.

Jonas sorriu. Como aquela pessoa maravilhosa o fazia feliz! Kelly sorriu com ele e ele resolveu contar. Afinal, ela não desistiria mesmo.

— Uns babacas estão espalhando mentiras sobre uma grande amiga minha. Mentiras pesadas. Agora, ela só vive no quarto. Não quer ver ninguém. Está em depressão, eu acho.

— Querem tirá-la de você. — Kelly disse com feição de grande seriedade.

— Eu não sei o que fazer.

— Vingue-se.

— O que?

— Ninguém pode tirar o que é seu. Quem fizer isso tem que pagar.

***

Jonas Antunes nunca pensou que administrar sozinho uma quantia em dinheiro seria tão difícil. Kelly fazia isso tão bem, afinal. Claro, ela nunca precisou sair sem ter data de retorno e muito menos para se vingar de um assassino em série, apesar de seus polêmicos discursos como o que acabou de sobrevir à sua memória. Ele certamente não conhecia ninguém que tivesse feito isso, inclusive. Mas Jonas sabia que sua irmã saberia o que fazer.

Viu que sua missão estava indo muito mal. Não sabia ainda nem mesmo quem era o monstro à solta que havia matado sua irmã, quanto mais o que fazer com essa informação quando descobrisse. Sentado na calçada de um lugar que nem conhecia e afogado em frustração e solitude, ele permitiu às lágrimas, antes escondidas por dias pelo orgulho, que escorressem sobre a pele branca mesclada pela mancha de nascença em seu rosto jovial. Já ouviu em algum momento que algumas pessoas usam lembranças para reconstruir alguém que perderam para somente conversar sobre o que faz sentido na vida, como um tipo de terapia. Mas ele não queria que sua irmã Jaqueline o assombrasse assim.

O que Jonas de fato não esqueceu foi o choro. Aquele choro sobre a cama que só poderia se repetir se seus pais morressem do mesmo modo aterrador e maligno. Um choro que parecia destruir cada pedaço salubre da sua sanidade. Parecia cada vez mais óbvio que a vingança, mais do que importante, era necessária.

Prisões de Guarani - versão gratuitaOnde histórias criam vida. Descubra agora