28. Guilherme

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Guilherme tentou se levantar mais uma vez. As chamas estavam mais perto a cada segundo. Ele tossia o gás carbônico da fumaça do incêndio.   

— Vai! — Ele torcia para si mesmo. Dobrou as pernas. Cada movimento mexia a bala alojada, fazendo sangue jorrar desnecessariamente e dores romperem suas forças, mas ele tinha que arrumar vicejo para sair daquele lugar que em breve cederia como um castelo de areia. De uma vez por todas, empurrou seus pés para o chão e se levantou, encurvado pela estrutura da cadeira a qual estava amarrado. 

Jonas se mexeu no chão. Não estava morto, mas tinha dificuldade de se recompor por causa da falta de ar. Guilherme atravessou com dificuldade a passagem do quarto e mancou até o corredor, onde as chamas derretiam ou formavam buracos nos rostos das pessoas idosas dos quadros antigos. O tapete todo estava em chamas. Impossível de atravessar. Uma porta à direita devia levar a outro quarto. Guilherme tentou usar suas mãos levadas para trás para girar a maçaneta. Estava difícil. Ele viu Jonas se erguer finalmente e olhar o que estava fazendo. O garoto rapidamente pegou a arma e mais uma vez apontou para ele. Guilherme achou que fosse levar outro tiro quando uma labareda forte subiu entre os dois inimigos e Jonas atirou em qualquer lugar, errando o alvo. Aproveitando a sorte, Guilherme se afastou da porta e chutou a fechadura, arrombando. Entrou, livrando-se de um segundo disparo.   

Havia fogo entrando pelas janelas, o que tornava impossível a saída por ali. Uma parte do chão de madeira estava vermelha como ferro esquentado. Ele procurou e viu uma bancada para computador. Mexeu as mãos suadas um pouco mais para ver se conseguia se soltar, mas ainda era inútil. 

— Você não pode fugir da justiça, Guilherme! — Jonas gritava do corredor com a voz enfraquecida pela tosse. 

— Foi um acidente! — vociferou Guilherme. 

Um tiro atravessou a parede que os dividia, quase o atingindo. Guilherme se esquivou sem eficácia. 

— "Ninguém pode tirar o que é seu. Quem fizer isso tem que pagar" — A voz trêmula no corredor disparou mais uma vez. O tiro consumou o quebrar iminente do vidro da janela incendiada. Jonas continuou — Eu descobri a maldade deste mundo... — mais dois tiros aleatórios — e não vou desistir, porque há pessoas demais desistindo. 

Guilherme achou que ouvira o bastante. O garoto era insano; estava disposto a virar cinzas molhadas pela chuva junto com o resto da casa, se esse também fosse o destino de seu oponente. Ele correu até a bancada e a empurrou com os ombros e o pescoço até que ficasse por cima da área do chão afetada pelo fogo. A madeira rapidamente rompeu e o móvel caiu por cima de chamas que se expandiram. Era a cozinha. Guilherme saltou sem pensar e caiu sobre a bancada, rolando para o chão descontroladamente. Teve dificuldade para erguer o corpo novamente, mas ao ouvir os passos de Jonas a correr pela escada, teve forças para isso. 

— Você não vai escapar. — o garoto o proibiu enquanto procurava, apontando a pistola. Guilherme correu mancando até uma região pontiaguda e quente de alumínio do balcão cheio de talheres. Usou o calor e a ponta esfregando suas amarras. 

— Vai — ele sussurrava quase gritando — vai! 

— Eu prometi que ia acabar com você — a voz de Jonas ecoava ofegante por entre o crepitar da madeira a ser devorada — e eu vou acabar com você. 

As cordas finalmente se romperam, e Guilherme teve as mãos livres. A cadeira caiu ao chão e ele ficou quase ereto, ainda retorcido pela dor na coxa. Jonas perseguiu o barulho e veio até a cozinha com a arma apontada. Pedaços de madeira e concreto do teto caiam cada vez mais. A fumaça estava no alto e o oxigênio diminuía. Guilherme não estava mais aqui, mas deixara a cadeira e as cordas. Jonas tremeu. 

— Apareça, seu covarde. — ordenou. 

— Estou bem aqui. — Guilherme disse.   

Jonas se virou atirando três vezes, mas as mãos de seu oponente seguraram a arma com força e os tiros foram ao alto. Guilherme cotovelou o rosto dele e o menino caiu desmaiado. Vitorioso, mas irado, Breno Guilherme pensou em deixá-lo morrer no incêndio. Começou a sair, mas percebeu que o que estava fazendo era desumano. Pensou que se fizesse isso, aí sim seria o assassino de Kelly Antunes, e agora de seu irmão também.   

Enquanto a casa caía devorada pelas chamas, Guilherme jogou sem nenhum cuidado o corpo de Jonas Antunes na areia gelada. O garoto acordou na hora, cuspindo areia que entrara em sua boca e passando a mão no rosto coberto. Guilherme olhou para ele, que tossia e chorava. 

— Eu odeio você! — o rapaz bramia. 

Sem dizer nada, Guilherme chutou o rosto de Jonas e sangue caiu na areia branca inevitavelmente. Ele chutou e socou as costas, pernas, braços e a face mais algumas vezes, até extravazar todo o sentimento que tinha pelo garoto. No fim, o nariz estava fora do lugar. O olho direito tinha um vazamento. Sangue escorria dos lábios tão estourados como bolhas. O rosto todo inchou e algumas regiões dos braços, pernas e tronco fizeram o mesmo, formando massas de cor púrpura. Jonas desmaiou novamente, e desta vez ficaria assim por toda essa noite. Guilherme estava ofegante. Pequenos raios saiam de seu corpo, fazendo um barulho no céu de trovão. Olhou para trás e viu chamas subindo aos ares no horizonte, como se milhares de carros estivessem explodindo. 

— O que?!


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