11. Ester

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Maria Ester não havia saído do quarto desde a noite anterior. Da brecha da porta, vigiava Guilherme, o tal inquilino, que trocava as lâmpadas no teto da sala. Sozinho, ele já havia trocado todas, e agora se dirigia ao seu quarto malabarizando a última.

— Ester, eu vou entrar. — avisou da porta, mas esperou, e ela estava calada como uma pedra — Ugh... Ester? Por favor, que você não tenha cortado os seus pulsos.

— Eu estou aqui. — ela respondeu, correndo para a cama de fininho e sentou-se na borda do colchão. Ele entrou e a mediu com os olhos enquanto tirava os chinelos. Tentava se comportar calmamente, mas ela podia ver tão claro como o sol que ele não conseguia. Afinal, algo muito estranho havia acontecido na noite anterior e para aquele moço ela devia ser a maior ameaça.

— Desculpe, — ela deu de ombros com timidez — por tentar matar você, ontem à noite.

— Ah, isso? — ele tentou brincar, subindo na cama para plugar a lâmpada — muita gente tá a fim.

— Hum. — ela repetiu o gesto.

— Você dormiu bem? Isto é, desde ontem que não te vejo. Ao menos não deixou esfriar o pão na chapa com pingado que eu te deixei na mesa, antes de sair.

— Eu dormi bem, sim. — ela respondeu, observando-o enroscar o objeto.

— Que bom. — ele terminou — Acende essa luz pra mim.

Ester foi até o interruptor e pressionou. O quarto escuro ganhou luz mais um a vez. Guilherme bateu palmas e gargalhou voluntariamente.

— Maravilha! — comemorou, observando o cenário aclarado — Achei que o raio tivesse zoado o sistema todo, mas foram só as lâmpadas mesmo. Menos um problema.

— Como assim "raio"? — ela perguntou, ainda indiferente.

— Temos muito o que conversar. — ele fez contato visual, mas ela olhou para o chão — Você deve estar com fome, não é? Não almoçou. Não vou te dar pão e café de novo.


— Eu sou recém-formado de História — começou Guilherme, enquanto a garçonete levava o pedido à cozinha da lanchonete — e estava vindo visitar meu 'querido' pai depois da festa de formatura, que aconteceu num estado próximo, até que descobri que minha mãe sofreu uma hemorragia cerebral e faleceu.

— Isso é recente? — Ester perguntou atenta. Aquele rapaz era extrovertido, então este fato a surpreendeu.

— Mais do que eu gostaria. — o olhar dele se prendeu no nada, como se olhasse para abaixo do queixo dela.

Ela observou como era carregado aquele olhar. Guilherme não havia dormido muito bem. Talvez pela viagem, ou então, pelo sofrimento. Possivelmente uma dura união dos dois.

— Eu lamento. — ela desculpou-se. Ele apenas fez um sinal de aceitação com a cabeça.

Ester estudava o rapaz que pretendia ser seu aliado. Ainda nã0 sabia o que exatamente Guilherme queria, mas nesse momento, ele parecia precisar mais de consolo do que de qualquer outra coisa. Ela percebeu, então, que não estava num jog0 de interesses, mas num brotar de alguma amizade saudável. Avaliou se era necessário fazê-lo saber quem era Jaci, mas como ele não fazia muitas perguntas, talvez tivesse uma ideia e a pessoa que realmente queria conhecer era ela mesma. Provavelmente, também, precisava de alguma conexão para que pudesse confiar nela. Ele não parecia ter muito dinheiro, a menina observadora pensou.

— Eu sou de um povoado bem pequenininho do interior do estado. — ela contou, olhando a rua através da janela — Fiz faculdade em uma cidade vizinha dali, que também não tinha nada além de senhoras tricotando e algumas garotas adolescentes engravidando dos professores.

Prisões de Guarani - versão gratuitaOnde histórias criam vida. Descubra agora