8. Guilherme

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Escobar Borges abriu a porta de metal enferrujado. Breno Guilherme olhava para seu pai com a feição imóvel. Mesmo que não fosse um momento tão lamentável, essa seria a configuração do encontro, ou talvez uma não muito melhor. Aquele homem ao qual ele chamava pelo nome e não pelo título de pai não era muito bem quisto por ele. A memória do abandono da família sem nenhum aparente motivo, quando Guilherme era ainda menino, até aqui alardeava-se em sua mente de forma tão clara quanto uma nascente de floresta virgem. Os dois nunca conversaram sobre isto, e Escobar não parecia saber como amenizar sua culpa. Guilherme o via tentar esperar seu coração acalmar-se, mas um filho não possui o instinto do perdão para um pai que o repudia.

Seu pai estava com a barba cheia. O cabelo preto era igual ao dele, mas a pele estava mais escura. Certamente Escobar estava gastando bastante tempo com as praias, o que explicava seu bronzeado. Estava de regata branca e bermudas, como um simples garoto. O homem de meia-idade ergueu as sobrancelhas com avidez, esperando que algo fosse dito para quebrar aquele silêncio desconfortável.

— Estou aqui. — Guilherme finalmente disse.

— É notável. — Escobar balançou a cabeça.

— O que foi?

— Vai ficar na minha porta, é? Entre.

— Não, valeu.

— Guilherme, — Escobar esfregou lentamente o rosto, impaciente — deixe de frescura. Parece um adolescente. Eu sei que você estava me procurando, está bem? Entra.

Guilherme revirou os olhos, mas obedeceu. A casa era pequena e não tinha muita coisa além do que coubesse na vã encoberta, na estrada. Contudo, Escobar nunca se livrou de sua mania extrema de limpeza e os locais onde morava eram sempre imaculados pela tamanha higiene. Guilherme observou tudo.

— Bem simplesinha, não é?

— É desse jeito que eu gosto de viver.

— Achei que fosse só viajando e o resto não importava muito. — lentamente voltou os olhos para o pai, que se aborreceu.

— Eu sei o que aconteceu. Sei que você está mal e que esse é seu jeito de mostrar, mas podíamos tentar conversar como homens. Descontar nos outros não é maduro.

— Maduro? — Guilherme encolheu os olhos — olha, Escobar, eu sei que tenho que respeitá-lo em sua "casa", se é como chama o lugar onde passa uma semana, mas não tente me ensinar o que é ser maduro.

Escobar suspirou devagar e calado. Em vez de treplicar, fez um sinal pedindo que o filho se sentasse e ele tentou se acalmar também, mas não aceitou o convite.

— Tudo bem. Eu já passei um bom tempo sentado. — E encostou seu ombro na parede da mesa, cruzando os pés com um de apoio. Escobar pegou o banquinho que havia em sua mesa montável e apoiou seu cotovelo nela.

— Eu sinto muito. — Escobar encarou o filho com tristeza. Guilherme ficou imóvel. Sentia que qualquer coisa que lhe falassem o faria chorar como um menino. Decidiu não entrar nesse assunto ainda e ignorar o rumo que seu pai tomara.

— Então — Passou novamente o olhar pela casinha — Como você arranja dinheiro para alugar as casas?

Escobar percebeu e decidiu respeitá-lo.

— Alugando casas. — respondeu com um sorriso esperto, como o de alguém que acabou de descobrir um segredo — Eu tenho quatro casinhas em São Paulo, filho. Antes de começar a viajar fiz alguns negócios pra poder me manter melhor do que um monte de mochileiros ferrados que tem por aí. Cada uma me dá duzentos reais por mês.

— Tenho que admitir que isso foi muito perspicaz.

— Era meu sonho desde a infância, e nós só temos uma chance pra realizar, né?

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