Debaixo da lua crescente estava frio e escuro, mas isso não impedia que as crianças brincassem livremente nos campos de futebol areentos e nos vastos jardins dentro dos muros iluminados do sorridente Condomínio Jandira. Maya observava contente toda aquela diversão de meninos e meninas livres de preocupações e deveres. Nunca foi achegada às crianças e sua gritaria irritante, mas a bendita forma como sua vida havia abraçado o sucesso inevitável impedia que qualquer coisa lhe fosse aborrecedora. O futuro estava garantido e era tão promissor como uma divindade! Ela saiu da janela e pulou na cama, caindo de barriga para cima. Seus enormes cabelos negros e polidos se espalharam pelo colchão marrom claro que combinava com a cor da pele morena.
"Queria que tudo isso nunca acabasse", pensou, mordendo os lábios inferiores. Ela olhou para a forte luz branca que iluminava seu amplo quarto. Luzes fortes conspiravam contra sua satisfação – Maya gostava da penumbra em um ambiente para descansar, mas agora sua vida era de universitária. Universitários não descansam. Levantou levemente a mão direita na frente da cintilação, impedindo que o raio chegasse a seus olhos, e de repente seu belo sorriso discreto desapareceu, dando lugar a uma desconfortável seriedade.
Uma grande escrivaninha tomava boa parte do espaço acarpetado ao redor da cama, onde repousavam livros sobre anatomia, bioquímica, genética e outros estudos abordados pela Medicina que já estavam sendo estudados antes mesmo do primeiro semestre do curso.
Alguém abriu a porta e Maya pode ouvir o suspirar cansado entrecortar a maviosa voz de Isabelle Allende. Sua amiga caiu de bruços sobre o colchão, fazendo com que ela quicasse. Ao olhar para o rosto sério de Maya, Isabelle gargalhou:
— Desculpa, amiga. Sua cama é tão macia. Tá fazendo o quê? — perguntou num alvo sorriso.
— Oi. Nada, na verdade. — Maya disse, ajeitando-se na cama e descendo o braço que esquecera suspenso até o leito.
Isabelle deitou-se de lado e olhou para a amiga com mais atenção.
— Maya Moema Nindberg, você está literalmente inovando e realizando sua vida, alcançando todos os seus sonhos mais ambiciosos, sem depender do dinheiro de seu pai.
— Bem, — Maya riu — tirando moradia, comida, compras e todo o resto, a gente vai se formar sem gastar dinheiro das nossas famílias. Ao menos um por cento da minha existência não vai sair do bolso do "Dr. Mauro Nindberg".
Belle chiou com graça:
— O fato permanece: você tem a obrigação de estar feliz.
— Eu estou. — Maya afirmou — Enfim, é só uma lembrança ruim.
— Há coisas que precisamos esquecer. — Belle disse com melancolia. Ela parecia ter percebido o que martelou a mente de Maya por um momento — É por isso que estou aqui.
— Você vive no meu quarto, Isabelle Allende de Gouveia — Maya espreguiçou-se e levantou, ficando sentada na cama.
— Nina finalmente ligou. — Isabelle disse, enterrando suas pequenas mãos entre as mexas de seus cabelos castanho-claros — Agora ela chega amanhã porque antecipou a viagem. Sendo que a primeira coisa que ela quer ver é a praia. Disse que nem vai vir primeiro ao condomínio. Tá levando o biquíni na bolsa.
— Sério? — Maya gargalhou — Que louca!
— É a Nina. — Isabelle saiu da cama num salto — Estarei no banho nas próximas vinte e quatro horas.
— Percebeu que eu falei seu nome completo, né?
— O seu é raro, sua metida. — disse Isabelle, ao sair do aposento deixando a porta aberta.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Prisões de Guarani - versão gratuita
Fantasy🏆Terceiro lugar no concurso PAX 🏆Prêmio de melhor vilão (Deusa Jaci) A vida pouco comum de Maya Nindberg, herdeira de um verdadeiro império e com os sonhos na palma da mão, passa a ser ameaçada por forças super-humanas ao descobrir que sua falecid...