3. Maya

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Uma recordação dos capítulos anteriores para auxiliar os leitores do projeto D&T:

Maya - A vida pouco comum da herdeira Maya Nindberg parecia ter chegado ao seu ápice: a faculdade de medicina foi alcançada, estava vivendo em uma bela cidade banhada pelo mar, e por fim, tinha suas grandes amigas Nina Varell e Isabelle Allende, consigo. A primeira tarde na bela praia de Maceió -  que lhe lembrava os desejos de sua falecida mãe - estava indo bem, quando um homem lhe atinge acidentalmente, fazendo-a sentir uma dor estranha. Em seguida, Maya começa a sentir uma repulsa esquisita à água. Um mistério que pretende mudar o rumo de sua vida perfeita.

Guilherme - Em sua festa de graduados, Breno Guilherme paquerou uma garota chamada Kelly, mas descobriu da pior forma que ela não estava sozinha. E no meio da briga, com um poder de relâmpago que nunca havia aplicado, Guilherme acabou matando o casal de adolescentes. Amedrontado, ele apanhou os corpos, colocou-os em seu porta-malas e os levou para longe do ambiente.

***        ***        ***



Dentro de Maya parecia haver algo se adaptando. Não físico, mas sensorial. O meio oscilava entre o frio e o calor de repente. Sentia que estava ficando doente, mas também um vigor como de duas juventudes apoderar-se de cada célula. O sol em pico não parecia mais tão forte como costuma ser nos estados nordestinos, mas era agradável como o abraço de uma mãe. Seu corpo estava ficando estranho.
— Eu nunca vi isso antes. — pasma, Belle redizia — Você deve estar doente.
— Talvez, mas eu me sinto bem.
— O que você sentiu, de verdade? — Nina perguntou.
Maya olhou para Nina, que observava as pessoas que iam e vinham ao redor, como se procurasse alguém entre elas na circunvizinhança luxuosa cheia de carros. Parecia não estar prestando atenção à conversa, mas estava.
— Sei lá... — ela deu de ombros — Meu corpo estranhou a água.
— Você só pisou a água. — Nina retorquiu.
— Bem, deve ter sido um choque térmico. Talvez Belle esteja certa e eu estou ficando gripada.
— É bom tratar, então. — Isabelle avisou — Você precisa aparecer no primeiro dia radiante.
— Eu estou bem. — Maya decidiu repetir.
— Nesse caso, vamos esquecer esse trem e o dia continua de glória. — Nina disse, jogando o cabelo para trás com a mão.
Logo à frente, atravessando a rua movimentada, o ostensivo condomínio Jandira refletia a luz do sol com sua fachada detalhada com pedras cinzentas. Algumas palmeiras plantadas no meio de círculos de concreto compunham uma fila sobre a calçada que se estendia ao fim da esquina. As ruas na circunferência do residencial eram compostas de seis praças bem iluminadas e cheias de jovens. Árvores estéreis de tronco grosso — tão grosso que um homem poderia torna-los sua morada — erguiam-se do chão no meio dos rossios enfeitados do colorido típico da cidade, lançando para o chão sua brisa de alívio quase mágico.
— Então, é aqui que moramos? — Nina perguntou com olhos arregalados e o queixo quadrado caído.
— Bem vinda ao Jandira. — Isabelle Allende a abraçou de lado.
— Amamos este lugar. — Maya disse.
— Nossos pais estão pagando uma nota! — exclamou Nina.
— Tenha certeza disso.
Aqueles estudantes malucos que davam longos saltos de uma estrutura para outra empestavam todas as partes dos jardins. Maya, entretanto, gostava daquela arte radical. Havia neles habilidades para fazer coisas que a Natureza parecia ter concedido apenas aos animais, mas na verdade os homens as negligenciavam. O movimento daquelas praças, portanto, estava mais pra favorável do que para irritante, e seria um bom lugar para passar o tempo no futuro. 
Ao avistá-las, o porteiro pressionou um botão que abriu leve e silenciosamente a porta marrom de metal e elas subiram as escadas para o jardim de cerâmica preta refletora, onde havia uma piscina no meio de um piso de madeira escura. O melhor e mais luxuoso cenário do edifício de entrada para o condomínio era seu restaurante, onde todas as luzes, paredes e mesas eram cuidadosamente padronizadas em diferentes tons de preto e dourado. Algumas portas duplas de madeira polida levavam a salas de hidromassagem, mini cinema, cafés e outros ambientes esplêndidos.
Quando finalmente atravessaram o lugar, haviam chegado à área residencial, onde crianças em campos de areia e nas extensas piscinas azuladas brincavam e famílias saíam com seus carros por um portão de metal à direita do prédio. As construções roubavam seus olhares, com um modelo futurista cujas formas geométricas eram belas e inusitadas. Maya empurrou a porta dupla que levava às escadas, uma extensa sala de estar e ao gigantesco elevador do bloco onde moravam. Belle adiantou-se a pressionar o botão de subir e segundos depois as portas se abriram. A madeira marrom, o ar-condicionado e a meia-luz dentro do elevador eram caprichosamente agradáveis.
Quando surgiu o último número no contador dos andares, as portas se abriram e Maya saiu primeiro. Isabelle a seguiu e Nina foi a última, assistindo cada detalhe acontecer tão gloriosamente como uma película cinematográfica. Rapazes bem-vestidos estavam sempre por perto para trazer-lhes tudo o que pedissem. Um deles já esperava que chegassem, com três roupões de banho. Era alto e elegante e tinha dentes brancos como a lã mais limpa. O cabelo dourado era bem penteado e a pele clara não tinha defeitos. Todos os funcionários tinham uma imagem parecida.
— Aqui, senhoritas. — disse, entregando-lhes.
— Obrigada. — Nina foi a única a agradecer. — Você é nosso mordomo?
— Não, Senhorita; não há mordomos no Jandira, mas nos diferenciamos nesse sentido: você pode escolher um funcionário para lhe atender sempre que desejar.
— Como um favorito?
— Como um favorito. — ele sorriu ao confirmar.
— Então... — ela leu o crachá: Amin Roriz era o nome — Amin, avise ao chefe perfeccionista que você é meu favorito.
— Obrigado, senhorita — o rapaz deu um minúsculo e suave salto de alegria.
— Me chamo Nina.
O menino consentiu com a cabeça e saiu.
— Ele é bonitinho, mas por que tudo isso? — Maya perguntou.
— Nunca se sabe quando você vai precisar de olhos e ouvidos além dos seus.
Maya sorriu e abriu a porta, usando o cartão-chave. Observou Nina entrando no novo lar do trio emocionada, com seus olhos amendoados esticados de exultação. Diante dela, o piano novo combinava com as cores da sala. Os olhos cor de mel lacrimejavam enquanto ela caminhava lentamente até o instrumento, acariciando com a ponta dos dedos a madeira brilhante. Nina formou um acorde sobre as teclas, que construíram um som harmonioso ecoando pela boa acústica do ambiente.
— Pensei que iria demorar tanto para tocar novamente.
— E não foi seu pai quem comprou, nem o meu, nem o da Maya. — Isabelle anunciou.
— É um presente nosso, só pra você. — Maya complementou — Afinal, não pode ser perfeito se todas as suas paixões não estiverem com você.
— Eu amo vocês!
Quando Nina correu para seus braços, Maya cheirou seu cabelo e a apertou bem forte. Belle se uniu às duas no abraço macio. Maya podia sentir em seu ombro o escorrer de lágrimas de alegria. Soltou a amiga divinal, que deu pequenos pulos rindo como uma criança, e correu direto pra o instrumento. Sentada, deslizou para grave e agudo sobre as teclas. Começou a tocar, velozmente fazendo os dedos caminharem e produzirem uma bela sinfonia. Nina havia evoluído desde a última vez que ela a tinha visto tocar piano. Era muito boa, e amava fazer aquilo assim como amava todo o resto ao seu redor.
Maya decidiu ir ao banho enquanto ouvia o ecoar dos tons agudos penetrando as finas paredes. Fechou a porta, ligou a banheira gigante e foi à parede de espelho, onde verificou mais uma vez o local da mancha enegrecida. Ela formava um contraste desagradável em relação à sua pele de pau-brasil. Com certeza, um tomara-que-caia não estava mais sob cogitação durante toda a semana. Suspirou com frustração, retirando o biquíni e o deixando cair sobre o chão macio. Com a banheira já cheia, ela deu passos curtos de pernas juntas, que derrubavam pequenas quantidades de areia a cada pernada. Subiu o batente e se deitou na água morna, mas a sensação estranha que antes lhe sobreviera voltou a afligir seu coração. Maya não queria ficar ali. Sua cútis tornou-se estranha novamente, dilatando-se como as águas do oceano latino.
— O que está acontecendo comigo?
Esforçou-se para resistir até que o banho estivesse completo. Afinal, não iria evitar banhar-se por toda a vida. Maya Moema Nindberg tinha outros apelidos, mas nunca seria chamada de suja. Esfregou suavemente o corpo escondido na espuma do sabão, deslizando as esguias mãos dos ombros às pernas. 
— Acho que preciso fazer uns exames. — sugeriu a si mesma, enquanto se forçava a mergulhar.
Quando terminou o banho e saltou da água seu corpo recuperou-se rapidamente. Vestiu o roupão e saiu. Isabelle entrou em seguida, dividindo entre elas o espaço da porta. Nina ainda tocava. Maya trocou-se rapidamente em seu quarto e veio até a bela pianista.
— Eu vou comprar algo no restaurante. — anunciou.
— Está bem. — Nina disse, enquanto fazia seu elegante instrumento entoar melodias de canções conhecidas — Me traz qualquer breguete bem saudável.
— Tudo bem. — e saiu.

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