O que restou de Teçá foram entranhas escarlates e músculos queimados revestindo ossos que não se podia reconhecer. A maça encefálica banhava o asfalto empoeirado com sua vermelhidão. Junto a ela, um de seus olhos ressecava ao sol. O outro olho, impossível encontrar. O guerreiro estava espalhado por toda parte.
Uma luz amarela feito o sol e pequenina como a de um vagalume expandiu-se do nada frente aquele cenário horripilante. Enquanto crescia, uma força como a do vento parecia vir de todas as partes para penetrá-la como um portal. A luz ganhou força e se tornou como uma chama. Então, quatro linhas cintilantes saíram lentamente do centro, formando depois braços e pernas. Uma cabeça amarelada e cheia de cabelos que dançavam àquela força surgiu também do centro. O centro se modelou para formar as curvas do tronco do corpo. A Iluminação perdeu força e a pele do corpo apareceu, morena como a madeira. Era Maya Nindberg.
Seus pés tocaram o chão finalmente e ela abriu os olhos. Sentiu o vento forte que tocava seu corpo nu como centenas de mãos geladas. Maya cobriu suas partes íntimas, assustada.
Olhou ao redor. Nina e os outros haviam ido. Fizeram muito bem. Abaixo de seus pés, viu o sangue. E acompanhando-o, viu o que tinha feito.— Uau! — ela franziu o semblante.
Achou que desta vez o havia matado, mas percebeu quando o sangue e as entranhas começaram a rolar contra a ordem da gravidade, encontrando-se no centro da estrada. Um pequeno moinho de carne se formava ali.
— Não. — murmurou, correndo até a floresta.
— Nina! Amin! Garoto... G-Guilherme!Ninguém respondia. Talvez estivessem longe demais para isso. Sua maior preocupação agora, porém, era vestir-se.
Quando empurrou algumas plantas altas para os lados, Maya contemplou uma pequena vila de taipa. Será uma longa caminhada até lá, mas ela não pode continuar andando por aí completamente nua. Algo, porém, estava errado ali; havia corvos e urubus por toda parte, voando nos céus, pousando no teto das casinhas e no chão de terra. Ela ficou curiosa.
Corpos. Dezenas deles: eis o grande motivo. Um verdadeiro massacre ocorrera naquela vila distante de tudo. Havia pessoas e animais para onde quer que ela olhasse. Maya entrecortava sua respiração. Sentia medo. Calculou se realmente teria coragem de fazer o que estava pensando em fazer."Calma, Maya", ela pensou, "você precisa vestir alguma coisa. Além do mais, não vai usar por tanto tempo. Vai ficar tudo bem".
Maya entrou em uma das casas de taipa que ainda restaram de pé. Naquele único cômodo havia apenas uma mesinha redonda, um fogão enferrujado, uma velha geladeira, duas camas de solteiro em cantos opostos e algumas gavetas empilhadas com algumas roupas.
— Eles me dariam se eu pedisse. — garantiu para si mesma, pegando uma regata masculina preta. O tecido era fino e os buracos dos braços eram grandes demais. Mal conseguia realmente cobrir-se, mas ao menos a borda de baixo podia cobrir tudo até o meio das coxas. Ela pôs um sutiã velho, que bicou suas costas. Fez uma careta.
— As coisas que fazemos na guerra.
— Nina. — Maya chamava com menos esforço — Amin.Já andara alguns quilômetros. Teçá já devia estar espreitando pela mata. Seus amigos provavelmente estavam em perigo mais uma vez e por isso estavam silenciosos. Não podia ser possível que estivessem assim tão longe, afinal.
Ela viu ao pé da colina as paredes traseiras de uma construção solitária por entre campinas repletas de flores. As nuvens sombreavam o caminho a céu aberto até lá, mas logo passariam. Quando ela encolheu seus olhos e cobriu a testa com a mão para enxergar com mais clareza, pôde ler com certa dificuldade:
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Prisões de Guarani - versão gratuita
Fantasy🏆Terceiro lugar no concurso PAX 🏆Prêmio de melhor vilão (Deusa Jaci) A vida pouco comum de Maya Nindberg, herdeira de um verdadeiro império e com os sonhos na palma da mão, passa a ser ameaçada por forças super-humanas ao descobrir que sua falecid...