Capítulo 4

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Sabe quando seu coração parece que sairá pela boca? É, o meu estava tentado a dar uma voltinha pelo quarto.

Estava tentando me convencer de que todo o dia até aquele momento não passava de um sonho. Aquilo tudo era impossível, não era? Afundo a cabeça em meu travesseiro e fecho os olhos. Talvez eu acorde na realidade correta se desejar muito.

-Você ficou completamente maluco, John? O que acha que seu pai vai achar disso? –Pergunta Locus quebrando o silêncio interminável.

-Acredito que ele concorde comigo que deixar para trás alguém sem domínio dos seus dons e, acima de tudo, sem saber como eles se desenvolveram e vão progredir não seja muito prudente, não acha, general? –Devolve o príncipe.

As vozes continuam bastante reais mesmo que eu aperte os olhos com força. Suspirando, sento na cama e analiso a loucura a minha volta.

A respiração de Locus está irregular. O olhar que o príncipe lança a ele não deixa espaço para discussão. Ele assume uma expressão resignada e concorda com um aceno de cabeça. Pelo jeito, não pode questionar o julgamento do príncipe herdeiro. Entretanto, eu ainda posso.

Levanto-me da cama devagar. Não é possível que seja extremamente claro somente para mim o absurdo de toda aquela situação. Fixo meus olhos no príncipe que, para minha surpresa, retribui meu olhar de desafio. Ele sabe que não irei sem lutar e eu sei que ele tem todas as armas para vencer essa batalha, porém, a teimosia faz parte de minha composição.

-Por que você acredita que tem o poder de me tirar daqui? –Pergunto.

-Não acredito apenas, eu tenho. –Ele responde simplesmente.

Procuro pelo capitão em busca de apoio, já que o cão de guarda está com o rabo entre as pernas. Seu olhar está no príncipe e parece ponderar a situação.

-O que pretende fazer com ela ao levá-la à corte, Alteza? –Pergunta Carter.

-Essa é uma pergunta interessante. –Comenta Locus acidamente.

O príncipe olha para cada um de nós e depois fixa seus olhos no capitão. Sua tranquilidade é enervante.

-Capitão, ela pode não ser uma elemental convencional, mas tem dons. Esse lugar e você não estão capacitados para lidar com ela. Todos os elementais são responsabilidade da Coroa. –O príncipe responde diplomaticamente.

Toda a empatia que eu poderia estar sentido por ele se esvai depois dessa declaração. Se havia uma pessoa qualificada para qualquer situação, era capitão Carter. Ninguém poderia diminuí-lo ou ao seu trabalho na minha presença.

-Eu não sou uma elemental, nem jamais serei. Essa maluquice que está acontecendo comigo com certeza é passageira. Você perderá seu tempo comigo, Alteza. –Digo com a pouca calma que ainda me resta.

O olhar do príncipe demonstra que ele não está aberto a negociações. Sei que ele tem meu destino em suas mãos e ele sabe que pode tomar a decisão que desejar.

E a vida continua se mostrando injusta!

-É melhor você ir com ele, Scarlett. –Diz o capitão Carter inesperadamente.

Nossos olhos voltam a se encontrar e o que vejo nos dele é como gelo penetrando em minhas veias: resignação. Até essa manhã eu tinha certeza que sairia desse lugar ao encontro da morte.

Nesse momento, uma onda de puro medo invade minhas veias só de pensar na incerteza do futuro que pode me esperar na Corte Real. Caso o capitão tenha realmente desistido de argumentar com o príncipe, meus recursos para escapar estavam bastantes escassos.

-Você provavelmente vai encontrar pessoas que possam entender pelo que você está passando se for com o príncipe, Scarlett. –Continua o capitão.

Ninguém poderia me impedir de implorar, não é mesmo?

-Mas capitão, eu pertenço a esse lugar. Não farei mal a ninguém...

-ISSO NÃO É UM PEDIDO, SOLDADO. –Gritou o capitão.

Sua voz soou tão cortante que me paralisa por alguns segundos. Entretanto, esse destino incerto está sendo designado a mim e não a ele. Não iria cair sem lutar.

Aproveitando que eles haviam deixado a porta aberta ao entrarem, disparo naquela direção. Nem mesmo penso, apenas me movo.

Passo correndo por todos. Ouço algumas exclamações, xingamentos e passos, mas eu sou mais rápida. Chego às escadas e deslizo pelo corrimão, encontrando o refeitório vazio, fato que facilita tudo.

Contudo, ao escancarar as portas que dão para o pátio, deparo-me com uma multidão de soldados em que uniformes vermelhos e pretos se mesclam. Reais e mestiços, respectivamente. Saio em disparada, mas não antes de escutar o berro do príncipe:

-SEGUREM-NA.

Nesse momento, mãos começam a me tocar e vou derrubando uma a uma. Percebo que apenas os soldados reais estão tentando me parar, os demais somente observam.

Os soldados começam a revidar meus golpes depois de um tempo. Porém, sou mais ágil e menor. Sendo assim, eles não conseguem me acompanhar. Além disso, o treinamento deles é fajuto, dependem exclusivamente de seus dons e, aparentemente, a ideia de usá-los ainda não havia surgido até aquele instante.

-Afonso, agora! –Ordena Locus ao longe.

Estou quase chegando a um dos portões dos fundos, onde não há sentinelas para fuzilarem minha cabeça, quando o ar dos meus pulmões é sugado. Instantaneamente, caí de joelhos no chão.

É como se o oxigênio estivesse sendo drenado do meu corpo. Coloco as mãos como apoio no chão, mas é inútil lutar, a consciência já está me deixando novamente.

-Basta! –Ouço uma voz zangada.

AR! Maravilhoso ar volta a ser inspirado por meus pulmões. Fico alguns segundos recobrando os sentidos até que sinto mãos em meus braços. Ao que tudo indica, eles realmente haviam usado seus poderes em mim, pois apenas um controlador do ar poderia fazer algo assim.

-Você vai parar de fugir, soldado?

Abro meus olhos ao som da voz do príncipe, a mesma voz zangada que acabou com minha tortura minutos antes. Seu rosto reflete toda a sua fúria e seu corpo exala nobreza e autoridade mesmo ajoelhado a minha frente e rodeado por muitos soldados, todos preparados para o caso da garota descontrolada atacar novamente.

Olhando para eles, percebo que não adianta mais lutar, pelo menos não quando alguém pode arrancar minha força vital com um simples comando. Como eu passara de alguém destinada à morte a uma aberração bizarra em tão pouco tempo? A primeira opção parecia muito mais agradável naquelas circunstâncias.

-Não. –Respondo sem olhar para o príncipe.

-Soltem-na. –Ordena ele aos soldados.

Logo em seguida, meus braços estão livres. Entretanto, encarando os olhos azuis que me fitam com severidade e desapontamento, entendo que a liberdade está a milhas de distância de mim.    

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