Fico momentaneamente estática pelo grande número de pares de olhos me perscrutando a distância. A maior parte dos convidados parece extasiada com a minha imagem. Ao voltar meu rosto para o lado esquerdo, noto dois tronos improvisados. Neles, o rei e a rainha estão assentados e, em pé ao lado de sua mãe, está Cecília.
Examino a multidão vorazmente atrás de uma pessoa apenas. Quando o encontro, todo o resto parece desaparecer. John está ao lado de Katrina em meio as outras pessoas. Seus olhos reluzem quando se encontram com os meus, dando-me a coragem que necessito para prosseguir.
Respirando fundo, evoco meu dom. Primeiro, sinto uma arrepio em meus braços que se alastra pelo corpo inteiro. Logo depois, minhas mãos esquentam e uma bela chama branca começa a perambular entre meus dedos. Com um pouco mais de esforço, expando as labaredas e crio círculos dourados ao meu redor. No mesmo instante, ouço exclamações de surpresa da aglomeração a minha volta.
O ritual deveria acabar nesse ponto, por isso, o rei se levanta pra dar continuidade à cerimônia. Contudo, forço meu poder e domino as tochas luminosas ao redor do jardim. O fogo se eriça e se alarga.
Agrupando as pequenas folhas secas caídas no chãos, produzo pequenos redemoinhos de vento entre os convidados que se afastam alarmados. Concentrando-me na pequena fonte no centro do jardim, faço a água borbulhar e transbordar umedecendo o solo seco.
Com um movimento da minha mão, faço a grama verdejar e inúmeras flores de lótus brotam ao meu redor. Elas florescem e criam uma tonalidade bela de branco ao rosa na terra.
Quando termino, estou ofegante e levemente cansada por manejar meu poder com tanta intensidade e rapidez. Além disso, um silêncio ensurdecedor se assoma ao meu redor.
Mirando aos visitantes, constato que a expressão de espanto deu lugar ao medo em suas faces. John parece pasmo demais para esboçar qualquer sentimento, enquanto Cecília sorri debilmente.
O rei me encara incrédulo, tentando se recompor. Eu consegui um efeito muito maior do que o desejado. Pretendia somente deixar evidente ao soberano de Pélagus que não me sujeitaria as suas vontades tão facilmente. Ambicionava mostrar o quão forte meu dom pode ser. Contudo, não estava em meus planos causar temor em mais ninguém.
-Essa menina representa a força de nosso reino. ELA É A PROVA VIVA DE QUE O SANGUE REAL CONTINUA FORTE! –O rei urra repentinamente.
As pessoas acordam de seu transe e bradam em concordância. Meu estômago se contrai ao constatar que o rei encontrou uma maneira ainda mais baixa de me usar. Obviamente, não havia limites para o seu cinismo.
-Agora, iremos apreciá-la desempenhando a dança de Apresentação. –Ele continua como se a minha vida fosse apenas uma distração para seus súditos.
Surpresa, reparo que John não se move em minha direção. Ao invés disso, quem se aproxima, para meu completo desespero, é Arthur Beryllos Pharus. Ele estende uma de suas mãos para mim e aguarda. Seus olhos negros me desafiam a desobedecê-lo.
Sem outra alternativa, seguro em sua mão e desço do tablado. Ele me conduz até o meio do círculo de pessoas que nos observam. Um calor desagradável se espalha em minha coluna quando sua palma toca minha cintura.
Por possuir alta estatura, o corpo do rei praticamente me encobre e quando a música começa, ele me guia sem dificuldades. Tento me manter o mais afastada possível, mas sua força me impede de rechaçá-lo. O som de belos sinos e flautas ecoa pelo jardim, todavia, o mesmo não me parece agradável nesse momento, já que não são as mãos certas que me seguram.