Antes mesmo que o sol desponte no horizonte, ponho-me sentada próxima a sacada esperando pelo que se sucederá comigo naquele fatídico dia. Apreensão faz com que meu estômago se contorça. A coragem que revestia meu ser na noite anterior, havia fraquejado quando o peso de que tudo pode dar errado ficou mais nítido para mim.
Fingir ser o que não sou, será a pior parte. Toda aquela riqueza e beleza não me deslumbra, pelo contrário, faz-me ver como aquelas pessoas são vazias. Elas vivem praticamente em modo automático aceitando o que é mais pertinente para ao seu soberano.
Durante minha expedição pelo castelo, notei que os empregados nem mesmo podem levantar a cabeça durante o desenvolvimento de suas tarefas. Eu não conseguia entender por que aceitavam tanta servidão, tanta exploração.
A população de mestiço supera em número a dos elementais e, ainda assim, somos obrigados a viver sob a sombra de um regime político usurpador. Ao meu ver, todos deveriam ter a oportunidade de buscar uma vida melhor.
Na verdade, todos deveriam ter o direito de viver e não apenas sobreviver. Em meio aos meus devaneios, ouço uma batida em minha porta e, logo em seguida, Suzi entra praticamente como um vendaval em meu quarto carregando uma imensa bandeja.
-Menina, você não viu o relógio? Precisa se alimentar para começar o dia. Venha logo para a mesa! –Diz Suzi.
-Bom dia, Suzi. –Respondo sem me mexer.
-Bom dia, queria. –Fala se aproximando de mim com um largo sorriso. –Você dormiu bem?
-A medida do possível. Não estou acostumada com uma cama tão confortável. –Digo e tento retribuir seu sorriso.
-Você fala cada absurdo, Scarlett. –Responde com uma gargalhada.
Por sua insistência, dirijo-me a mesa de centro e tento comer. Meu estômago reclama e se retorce, com isso, decido que ingerir qualquer alimento com certeza não é uma boa ideia. Suzi passeia por meu quarto investigando tudo que demonstra estar meramente desarrumado. Parece impossível para ela permanecer quieta por mais de alguns segundos.
Um toque-toque suave na porta a desperta de seu transe e ela vai atender nosso visitante. Quando avisto um soldado com uma vestimenta vermelha, meu nervosismo aumenta de maneira exponencial.
-Com licença, estou aqui para acompanhar a senhorita até seu destino. –Diz o soldado e me indica com uma inclinação de cabeça.
-É claro. –Responde Suzi.
Por alguns segundos, fico paralisada no lugar. Suzi me encara e vem até mim pegando em uma de minhas mãos.
-Vamos, querida. Está na hora. –Baixando seu tom de voz, ela continua –Dará tudo certo. Você não tem com o que se preocupar. –Assegura-me.
Com um pequeno aceno se cabeça, levanto-me e caminho até o soldado que me cumprimenta quase imperceptivelmente antes de começar nosso trajeto. Descemos para primeiro andar em completo silêncio. Depois de alguns corredores, ele abre a porta de uma sala com paredes totalmente brancas e com um aspecto imaculado.
-Com licença. –Diz o soldado e fecha a porta atrás de mim me deixando sozinha.
Apenas os sofás pretos em um canto destoam de toda aquela imensidão alva. Grandes janelas mostram um pátio amplo que me traz à memória a área de treinamento do quartel.
Com um estrondo, a porta se abre atrás de mim. Virando-me, vejo um grupo de pessoas adentrá-la como uma tempestade barulhenta. Uma pequena mulher de pele negra, cabelos curtos e escuros e vestida com mais cores do que posso contar, lidera-os em sua caminhada.