-Algumas vezes as pessoas podem nos surpreender, Scarlett. Mantenha isso em mente. –Anita diz e se afasta sem dar mais nenhuma explicação.
Observo-a se misturar a multidão cada vez maior que preenche a praça. Minha mente conturbada não consegue juntar as peças de tudo o que havia ocorrido em tão pouco tempo.
Alguns dias atrás, acreditava que jamais conheceria a vida após os 20 anos de idade. Sentia que meu fim estava atrelado a uma guerra que não era minha. Não possuía motivos para pensar o contrário, já que nenhuma alma sobrevivera a esse massacre para contar sua história.
Contudo, o destino poderia ser extremamente contraditório, pois meus pés pisavam em um lugar destinado ao recomeço, a uma vida melhor. Algo impossível de existir para mim. E isso tornava o príncipe de Pélagus um quebra-cabeça cada vez mais complexo de resolver.
Cansada de tantos mistérios, decido voltar ao navio. Aquela festa já perdera o brilho para mim. No meio do caminho, avisto Davi deitado em uma cadeira em um sono profundo.
-Vamos lá, baixinho. A festa já acabou para você também. –Digo, pegando-o no colo.
Davi não acorda, apenas se acomoda em meus braços. Ao chegarmos ao convés, ajeito-me em uma cadeira junto com ele para apreciar a lua. Ela está cheia e resplandecente no céu, iluminando a noite com a luz concedida pelo sol.
-O que você está fazendo com meu irmão? –Luke pergunta chegando de repente.
Levanto-me depressa e viro em sua direção. A expressão que carrega demonstra que não está nada contente com minha proximidade a Davi. Mas o que chama minha atenção é a roupa que está vestindo: um uniforme do exército real.
-Ele estava dormindo na festa. Eu iria levá-lo para o quarto para que descansasse. –Respondo.
Ele avança em minha direção e deixa seu rosto próximo ao meu. Luke é tão grande que me encolho inconscientemente.
-Eu já lhe disse que não quero nenhuma bonequinha do prín...
Ele para de falar quando desvia o olhar para meu pescoço. Sem aviso, estende sua mão em minha direção e pega a pedra negra do meu colar. Não havia percebido que ela estava à mostra. A expressão de reconhecimento em seu rosto é tão intensa que congelo no lugar sem conseguir me mover.
-Onde você conseguiu isso? –Luke pergunta voltando seus olhos aos meus.
-Ganhei de presente. –Respondo simplesmente.
-De quem? –Ele pressiona.
-Por que você quer saber? –Pergunto, tentando me afastar levemente.
Luke não responde imediatamente. Fita meu rosto como se procurasse por respostas encobertas. Quando acredito que ele irá revelar tudo o que parece saber sobre o colar e acabar com o mistério que me atormenta, uma voz enraivecida nos interrompe.
-Atrapalho? –Pergunta o príncipe.
Distancio-me alguns passos de Luke e olho para o príncipe. Pela minha visão periférica, noto que Luke continua me encarando como se não tivéssemos sido interrompidos ou como se a presença do príncipe não significasse nada para ele.
-Não, Alteza. Eu só estava entregando Davi ao seu irmão. Ele estava cansado das festividades e eu resolvi trazê-lo de volta. –Respondo.
O príncipe continua encarando o soldado sem nem ao menos piscar. Quando Luke retorna seu olhar, sinto o clima ficar mais pesado. O príncipe caminha até ficar ao meu lado, não parecendo se importar com a diferença de tamanho em relação a Luke.