Borrões vermelhos se moviam a minha volta. Depois de ser solta, os soldados me levaram para o refeitório novamente. Tive a impressão de ouvir ordens para me fazerem esperar ali até que estivesse tudo pronto para a partida, mas eu não queria partir.
Entrei em um estado estranho de torpor, como se meu corpo estivesse no piloto automático e o espírito ausente. Escutava vozes a minha volta, entretanto não compreendia o que diziam. Tudo parecia um sonho surreal. Não era possível que fogo saísse das minhas mãos, assim como não era aceitável que o príncipe herdeiro de Pélagus quisesse me levar à Corte.
Belisco meu braço na tentativa de retornar à realidade, mas para meu terror tudo isso está realmente acontecendo. Se alguém me dissesse que esse dia seria assim, eu riria do indivíduo com certeza. Agora apenas sentia vontade de chorar.
Meus olhos passeiam perdidos pelo refeitório e pousam no capitão Carter. Ele está afastado tendo alguma conversa com Juliette. "Isso é esquisito" é meu primeiro pensamento, porém, estou distraída demais para me importar.
Seus olhos encontram os meus e noto a urgência intrincada em sua expressão. Isso sem dúvidas é ainda mais bizarro, já que o capitão geralmente não deixa suas emoções transparecerem. Ele encerra sua conversa, vem em minha direção e se senta ao meu lado.
-Tentei convencer o príncipe que o seu lugar é aqui, que provavelmente você só causará problemas na Corte por não saber como se portar lá e todas aquelas regras sem importância que eles seguem, mas ele disse que você poderia aprender. Ele não mudará de opinião. Na verdade, ele tem bons argumentos. Por isso, temo que você terá que seguir com eles. –Ele solta um pequeno som pela garganta que se assemelha muito a um rosnado, depois prende meu olhar ao seu. –Talvez esse período seja bom pra você. Lá eles tem especialistas em magia que podem lhe ajudar a entender o que está acontecendo até podermos dar um jeito nessa situação. –Termina, resignado.
-Dar um jeito? –Meu coração aflora com uma pequena esperança de que não serei uma cobaia real para sempre.
O capitão olha ao redor para se certificar de que os soldados estão concentrados em suas funções e não prestando atenção em nós. Quando se dá por satisfeito, segura uma das minhas mãos em um movimento rápido e a aperta forte.
-Preste atenção em tudo e você aprenderá o que precisa bem rápido. Confiança é algo perigoso, então cuidado em quem você depositará a sua. A Corte é um campo minado de interesses, Scarlett, por isso fique nas sombras e não chame atenção. Prometo que entenderá tudo no momento certo. –Ele diz e simplesmente se afasta outra vez.
Fico olhando suas costas enquanto ele se retira do refeitório. Demoro alguns minutos pra me recompor e só então noto que há um pequeno papel em minha mão, a mesma que estava sob a posse do capitão. Olhando discretamente ao redor para saber se tenho a atenção de alguém, abro o papel e o leio rapidamente: Use o colar. Você não está sozinha.
Meu primeiro pensamento é "que diabos isso significa?", até que a memória de Juliette me dando um colar de aniversário revive em minha mente. Procuro por ela pelo salão, mas não a encontro em parte alguma.
Como tudo aquilo pode estar interligado? Como o capitão e Juliette podem ter algo em comum? Nada faz sentido, se é que esse dia teve algum nexo até agora.
Esmago o papel até sobrarem apenas migalhas em minhas mãos. Embora nada seja garantido, sei que posso confiar no capitão Carter. Se ele disse que de alguma forma daria um jeito, então eu acreditaria.
Agora não me sentia mais à deriva do destino, ele havia me dado um objetivo. A partir disso, poderia montar uma estratégia para seguir. Fora treinada para alcançar metas e seguir ordens.