Encolho-me inconscientemente pela escuridão presente nos olhos do rei. Seu semblante intempestivo me mantém petrificada no lugar, como se meus músculos estivessem congelados. Ele aproxima mais seu rosto do meu e, por um ínfimo momento, esquadrinha meus lábios com seu olhar.
-Você está assustando a menina, querido. -A rainha fala suavemente.
O rei se afasta de mim subitamente, balançando a cabeça como se quisesse se livrar de algo. Somente quando ele retorna ao trono, consigo respirar novamente. O príncipe encara seu pai com uma expressão confusa.
-Como você se chama? -A rainha me pergunta.
Voltando meus olhos para ela, fico espantada com sua beleza. Longos cabelos dourados se espalham por seus ombros, um rosto em forma de coração que emoldura olhos tão azuis e ternos quanto os do seu filho. Ela está usando um vestido vermelho brilhante e uma coroa adornada com flores.
-Scarlett, senhora. -Digo quase em um sussurro.
-Nosso filho nos relatou que você consegue controlar o fogo. Isso é verdade? -Questiona.
-Acho que sim. Mas utilizei apenas uma vez. -Respondo.
-Contra meus soldados, estou certo? -O rei pergunta.
Hesitando em encarar seus olhos novamente, volto meu rosto para o chão e apenas aceno afirmativamente. Como resposta, escuto um som desaprovador sair de sua garganta.
-Você sabe qual seu local de origem, Scarlett? -Inqueri a rainha.
-Não, Majestade. Fui criada até os dez anos no orfanato Estrela do Mar em Marina Azul, depois disso comecei a servir ao exército. -Falo.
-Não sabe nada sobre seus pais? -Ela continua.
-Não, Majestade. -Digo.
-Você está me dizendo que seu dom surgiu sem razão alguma, é isso? -O rei pergunta com impaciência.
-Eu já lhe expliquei isso, pai. Ela não foi estimulada a desenvolver qualquer controle dos elementos durante todo seu crescimento. Provavelmente, entrar em uma situação estressante desencadeou uma resposta de suas habilidades. -O príncipe intervém.
-Eu não me dirigi a você, John. -O rei diz com frieza. -Quanto a você menina, irei investigar sua origem. Se descobrir qualquer falha em sua história, não serei tão misericordioso. Enquanto isso, você ficará no palácio. Mas como meu filho inconsequente fez questão de expor você ao povo, não posso tratá-la como uma simples mestiça, nem deixá-la solta por aí sem controle nenhum do que pode fazer, correndo o risco de atacar a qualquer um. Por isso, irei apresentá-la a corte como minha sobrinha perdida. Você terá um mês para controlar seu dom e se tornar alguém digna da posição que estou lhe dando. Não admitirei falhas. Agora saia daqui. -O rei diz e com um aceno de mão me dispensa.
Perdida entre tantas informações e sentimentos, curvo-me em uma reverência mal feita e saio o mais rápido que consigo. Nem mesmo olho para onde estou indo, apenas sigo em frente até achar uma saída.
Sinto como se aquelas paredes estivessem me sufocando e não houvesse escapatória. Reconhecendo o vestíbulo, corro através da porta principal do palácio para o lado de fora. Não dou atenção aos soldados ou pessoas que passam por mim.
Ultrapassando as escadas, disparo em direção as árvores e só paro quando a imagem do castelo fica encoberta pelas copas verdes e robustas. Encontrando uma pequena fonte em meio ao vasto jardim, sento-me sobre a grama sem me importar com as manchas que começaram a aparecer no vestido branco.