Tento me desvencilhar da bagunça de braços e pernas a qual eu e o príncipe nos tornamos. Minhas bochechas queimam com a vergonha que sinto borbulhar em meu peito. Assim que consigo ficar novamente de pé, encaro minha nova visitante: uma bela menina com longas cabelos escuros, rosto em forma de coração e olhos azuis um tom mais escuro que o do príncipe. Ela parece uma versão morena da rainha e, por isso, suponho que seja a princesa Cecília.
Sem reservas, ela continua a nos fitar com um sorriso debochado no rosto. Pela minha visão periférica, noto a expressão aborrecida do príncipe e que seus olhos se voltam a qualquer lugar menos a mim.
-Desculpem, eu não queria atrapalhar o que quer que estivesse rolando aqui. –Diz a princesa com sarcasmo escorrendo por suas palavras.
-O que você quer, Cecília? –O príncipe pergunta irritado.
-Bem, a mamãe solicitou que eu mostrasse a nossa visitante as instalações do castelo. Porém, acredito que você está oferecendo a ela entretenimento um tanto quanto, digamos, mais interessante. –Responde com um sorriso ainda maior e inclinando a cabeça levemente para o lado esquerdo.
Como se fosse possível, sinto meu rosto ficar ainda mais quente. O príncipe bufa e se afasta de mim, indo em direção à porta. Ao passar por sua irmã, diz algo sussurrando em seu ouvido e, instantaneamente, seu sorriso debochado perde o brilho.
-Você seria o pior irmão que existe se fizesse algo assim. –Ela responde consternada.
O príncipe ri e seus olhos pousam em mim novamente no tempo de uma batida do coração. Sinto uma corrente elétrica correr da minha cabeça a ponta dos pés por causa da intensidade do seu olhar.
Com um pequeno aceno de cabeça, ele sai do quarto me deixando sozinha com a princesa. Antes que eu possa proferir qualquer sentença, ela me puxa para sentar ao seu lado em minha cama e começa a preencher o silêncio com facilidade.
-Não vou nem mesmo perguntar o que estava acontecendo aqui. Prefiro a ignorância. –Diz soltando uma gargalhada longa. –Fico imensamente grata por finalmente ter alguém da minha faixa etária nesse castelo. O máximo de conversa descente que consigo descolar aqui é com a Suzi e ela não entende certos assuntos femininos que precisamos compartilhar em nossa idade. Mas agora que você está aqui, posso, enfim, ter uma ouvinte que me dará comentários de qualidade. Vou lhe mostrar tudo que precisa saber. Mamãe me contou sobre sua situação. Meu pai é exigente, contudo, comigo ao seu lado, você se tornará a dama nobre e culta que precisa se ser. –Ela continua sem parar.
Notando meu espanto por seu falatório, ela ri ainda mais. Jamais imaginei que uma princesa ou qualquer pessoa pudesse pronunciar tantas palavras em tão pouco tempo.
-Desculpe-me. Tenho o péssimo hábito de me transformar em uma tagarela quando estou feliz. Aliás, onde foram parar meus modos, não é mesmo? Sou Cecília e sinto realmente muito prazer em lhe conhecer, Scarlett. –Fala com um sorriso doce que faz com que seus olhos brilharem.
-O prazer é meu, Alteza. –Respondo atordoada.
Ela estala a língua em reprovação e o barulho eca pelo cômodo. Pegando uma de minhas mãos entre as suas, mira meus olhos intensamente.
-Quero que me chame apenas de Cecília. Sei que é meio cedo para isso, mas desejo que sejamos grandes amigas e não vou permitir que meu título estrague isso. –Ela fala incisivamente.
Seus grandes olhos azuis transbordam tanta sinceridade que sou impelida a apertar sua mão e retribuir seu sorriso. Mesmo não conhecendo profundamente a hiperativa princesa Cecília, sinto uma estranha conexão com ela e, instantaneamente, um alívio inunda meu peito pela certeza de que não permanecei em completa solidão naquela prisão.