Olhares raivosos estão por toda parte do lado de fora do quartel. Aquela com certeza não seria uma viagem agradável.
Em minha pressa de fugir, não havia percebido que machucara alguns soldados no processo. Agora, vejo muitas mãos enfaixadas e rostos com indícios de hematomas.
A comitiva do príncipe já está preparada para partir, apenas aguardando suas ordens. Enquanto isso, ele permanece afastado conversando acaloradamente com o capitão Carter e Locus.
Há vários carros na entrada do quartel que eu não havia notado antes. A perspectiva de que viajaremos dessa forma até o norte onde fica a capital, deixa-me mais agitada e apreensiva. Serão muitos dias exposta a hostilidade palpável dos soldados.
Vejo duas macas sendo carregadas para o interior de um dos maiores carros seguidas de perto por Ariel, o médico do quartel. A realidade desse fato me choca: são os soldados a quem machuquei. Na verdade os queimei, mas essa palavra me parece muito sombria.
Meus pés involuntariamente me levam até lá, mesmo que meu subconsciente grite que não é uma boa ideia. A culpa me instiga a continuar.
-Eles estão bem? –Pergunto às costas de Ariel.
Ele se vira bruscamente em minha direção pela inesperada interrupção. Seus olhos demostram surpresa ao me ver e creio que ele esperasse por minha iminente prisão depois do que fiz.
Eu também esperava, Ariel, eu também!
-Eles vão sobreviver. Você não os queimou o suficiente para causar danos irreparáveis. –Diz displicentemente, como se falássemos sobre o clima.
Suas palavras causam um calafrio em meu corpo. Ao mesmo tempo, os soldados que carregam as macas saem do carro e me encaram. Racionalmente, afasto-me dando alguns passos para trás.
-Você não deveria estar aqui. –Um deles diz.
-É, sua aberração! Fique longe de nós! –Completa o outro.
A hostilidade de ambos é tão palpável que congelo no lugar. Percebo que Ariel está dividido entre me defender e sua própria segurança.
Ouço passos atrás de mim, possivelmente marcando a chegada de mais soldados vermelhos. Em resposta, começo a pensar em quantos eu conseguira derrubar.
-Algum problema aqui? –Pergunta Juliette.
Surpresa, viro-me em sua direção. Para meu completo espanto, não só ela se coloca as minhas costas, como também mais quinze soldados vestidos de preto da cabeça aos pés. Essa pequena atitude faz um estranho sentimento de gratidão florescer em meu peito.
Aquelas pessoas não deviam nada a mim e, ainda assim, estavam se colocando em risco por minha causa. Pessoas as quais nunca me interessei em conhecer mais do que o necessário. A morte iminente causa o distanciamento de tudo aquilo que pode nos causar dor.
Todavia, gostaria tê-los conhecido e ter alguma perda pela qual lamentar nos momentos de solidão que certamente farão parte de minha rotina futura. Às vezes a dor é tudo o que comprova que ainda estamos vivos.
Ariel parece ainda mais apreensivo por estar no meio do fogo cruzado. Os soldados reais demonstram em seus rostos todo desprezo que sentem por mestiços e, mesmo em menor número, não denotam se importar em arrumar briga. Obviamente, eles possuem clara vantagem.
-O que está acontecendo aqui? –Pergunta Locus vindo por trás do grupo, seguido por Carter e pelo príncipe.
Instantaneamente, a tensão se dissipa. Os soldados assumem sua posição de sentido pela presença de oficiais e do príncipe e me lançam olhares indagadores.