Capítulo 10

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Meu corpo instantaneamente enrijece e a pulsação acelera. Possivelmente, superestimei minha capacidade de supor que nada daria errado. O tom de voz do príncipe é mais zangado do que eu já ouvira antes.

Todos se levantam e fazem reverências a ele. Somente eu permaneço pregada em meu lugar de costas para ele. Até mesmo o pequeno Davi segue o protocolo. O clima agradável se esvai pelas janelas.

Arrancando-me do transe, Suzi segura meu braço e me levanta. A contragosto, viro-me para o homem que exala raiva pelos poros. Entretanto, quando nossos olhos se encontram, percebo uma pequena mudança em sua expressão furiosa. Ele, instantaneamente, parece mais calmo.

-Alteza, a culpa não é dela. Eu a trouxe aqui por achar mais adequ... –Começa Suzi.

-Agora não, Suzi. Mexa-se, Scarlett. –O príncipe a interrompe com os olhos ainda pregados em mim.

Surpresa por vê-lo tratando aquelas pessoas pelos primeiros nomes, começo a mover os pés. Lanço um olhar tranquilizador à Suzi. Jamais iria deixá-la assumir a culpa por mim, ainda assim, sinto uma imensa gratidão por sua atitude.

Em um rompante de comportamento, volto-me para Davi. Sem que ele espere, dou-lhe um beijo na bochecha e cochicho em seu ouvido:

-Assim que meu castigo acabar, podemos brincar do que você quiser. – Digo e ele responde com um largo sorriso, acenando com a cabeça.

Respirando fundo, sigo meu carrasco. Ele caminha rápido e, agora, consigo reconhecer que está indo em direção ao andar real. Em todo o trajeto, não me dirige uma só palavra. Ao invés de parar em minha porta, ele segue até duas depois dela e a abre.

Estaciono na porta enquanto ele entra e retira o casaco que estava usando. Com um pouco de força demais, lança a peça de roupa do outro lado do cômodo.

-Entre. –Ele diz parecendo zangado novamente.

Resignada, faço o que ele mandou. Percebo que o lugar parece um pequeno escritório: possui uma escrivaninha com muitos papeis, sofás, uma pequena mesa ao centro e uma estante repleta de livros. Na mesa, permanece uma refeição intocada para dois. Sinto meu estômago se contorcer. O príncipe se recosta na escrivaninha, aperta sua borda com as mãos com tanta força que seus nós ficam evidentes e me fita.

-Você poderia, por favor, explicar-me por que não consegue seguir ordens simples? –Ele pergunta.

-Alteza, acredito que eu não deva seguir ordens inadequadas. –Respondo.

-Inadequadas? –Ele questiona com incredulidade.

-Sim. Acompanhe meu raciocínio, por favor: você é o filho do dono de tudo isso aqui, ou seja, herdeiro de tudo e por isso dono também. Eu sou apenas um órfã que se tornou um problema em uma de suas viagens. Como os outros entenderiam isso? Consegue notar o quanto isso é confuso tanto para mim quanto para eles? Acredito que você queira me ajudar com essas... Alterações... Que estão acontecendo comigo, mas não pode fingir que sou o que não sou. –Despejo tentando explicar o óbvio com toda calma que há em meu ser.

-VOCÊ NEM MESMO SABE O QUE OU QUEM É! –Explode o príncipe. Ele solta a mesa e, caminhando até mim, deixa seu rosto a poucos centímetros do meu. –Eu observei você lá. Tentando se misturar a eles, mas falhando miseravelmente. Acha que eles não perceberam também? Você suga tudo o que pode das pessoas, porém não dá nada em troca. Foi só ser questionada um pouco mais que já tentou fugir e a Suzi teve que defendê-la. Você pode até não ser uma elemental, mas com certeza não é uma mestiça. PONHA ISSO NA DROGA DA SUA CABEÇA E NÃO OUSE MAIS DESOBEDECER UMA ORDEM MINHA. –Ele grita.

Coroa De Fogo - Livro 1 - Trilogia MestiçosOnde histórias criam vida. Descubra agora