Prológo

789 50 19
                                    




Alguns anos antes...

Fazia mais de um ano que meu namoro tinha acabado, quando liguei para meu grande amigo Will, desesperada.

Chegou tão rápido que, no mínimo, voou baixo em sua moto. Assim que entrou, me abraçou de forma terna e protetora, esvaecendo por um breve momento todo o medo que eu sentia. Ele não perguntou nada, apenas me conduziu carinhosamente ao sofá, deixando que chorasse em seus braços até adormecer.

Despertei desejando que tudo tivesse sido um pesadelo. Mas o sangue seco da pele esfolada, seguido da dor dilacerante nos joelhos, as manchas roxas dos braços, o lábio cortado, inchado, a dificuldade de falar - pelo estrangulamento e a ardência do tapa que levei daquelas mãos odiosas, eram mais que reais: eram visíveis.

Foi na boate Sexy Night, um lugar que sempre adorei me divertir, que tudo aconteceu. Há tempos não ouvíamos falar dele. Minha melhor amiga me incentivava a ter coragem, tentar levar uma vida normal, como tinha antes de me trancar em casa; só sair para trabalhar ou estudar, mesmo assim, acompanhada. Quando finalmente voltei a fazer as coisas que mais amava, o maldito surgiu do inferno, fedendo a álcool, maconha, maldade e ódio.

Estava na pista dançando, (outro prazer que aquele monstro me roubou) curtindo a batida da música e me sentindo livre, rodeada de amigos. Era a Festa do Sinal e meu vestido vermelho, curto e justo, sinalizava que eu apenas queria me divertir. Já tinha tentado voltar a namorar, mas todos eram estranhos demais, mandões demais, apertavam demais... Sentia-me sufocada, reprimida, manipulada.. então simplesmente desisti. "Antes só que mal acompanhada", não é assim o ditado?

Precisei ir ao banheiro e Paty (que antes, tinha dado uns amassos em dois morenaços ao mesmo tempo) estava no canto do bar, beijando uma loira linda. Assim que me viu, largou a moça para me acompanhar, mas garanti que podia ir sozinha. Acreditando que realmente estava tudo bem, lançou-me uma piscadela cúmplice, confirmando o quanto curtia o momento. Ela não dizia, mas por minha causa, deixou de sair para me fazer companhia - até morou comigo por um tempo.

Quando saí, senti mãos me apertando com força e jogando contra a parede. A pancada foi tão forte que fiquei tonta. Pisquei várias vezes tentando me reconectar ao mundo, mas não precisei enxergar para reconhecer quem havia usurpado minha liberdade. Seu corpo me manteve em cativeiro, enquanto uma mão apertava meu pescoço e a outra invadia minha calcinha por baixo do vestido. Sua boca imunda apossou-se da minha, que lutava para se manter fechada. Quanto mais eu lutava, mais apertava meu pescoço roubando-me todo ar. Não satisfeito com sua abordagem, mordeu meu lábio, trazendo a minha garganta o gosto metálico de sangue, da ferida que provocou. Depois de cuspir em meu rosto, lambeu minha orelha, antes de proferir as malditas palavras.

—"Sentiu saudades do seu macho minha putinha? Pensou que se livraria de mim? Que roupa é essa piranha? Mostrando tudo? Você nunca vai se livrar de mim, vadia! Não adianta se esconder. Vou te caçar e fazer contigo o que eu quiser GATINHA. Sou seu dono entendeu?"

Suas pupilas dilatadas e a dormência em minha boca, indicavam que usou cocaína também. Eu conhecia bem cada alteração e reação de seu corpo. Dois malditos anos até ser internado. Estava tão louco, que me soltou e bateu na própria cabeça com as mãos. Dizia coisas sem sentido.

Não sei de onde tirei forças. Apenas queria sair dali e me esconder no único lugar onde todas as minhas trancas seriam capazes de me proteger. Então dei uma joelhada nele e corri para fora da boate, desesperada, empurrando todos à minha frente. Cheguei do lado de fora sem olhar para trás; atravessei a rua sem olhar para os lados. Eu só queria sumir ou ter o poder da invisibilidade.

IncomparávelOnde histórias criam vida. Descubra agora