Entre o passado e o agora

Quem é você?

Estou em um quarto. Disso e do meu nome eu tenho certeza, mas do resto já não sei bem. A luz da lua me confirma que ainda é madrugada. Sinto um calor ao meu lado direito e me sinto ser observada. Com medo não me mexo e me cubro totalmente. Uma dor de cabeça infernal quase não me deixa abrir os olhos mesmo estando um breu.

Durmo novamente.

Desperto com o coração disparado. Volto minha atenção para a porta entreaberta e me assusto ouvindo barulhos do lado de fora. Penso no que fazer, mas antes que eu possa tomar alguma atitude, vejo uma silhueta se aproximar do meu quarto.

-Ah, droga, te acordei! Me desculpa, amor. Fui beber água e derrubei umas panelas.

Vejo o copo em sua mão, mas minha cara é de pura confusão e incredulidade. Permaneço quieta e ele se aproxima. Coloca o copo na cômoda ao lado da cama e para à minha frente.

Com a luz que entra pela enorme janela posso ver o dono da silhueta. Um homem forte e definido, apenas de calça moletom, com os cabelos lisos arrepiados e cara de sono.

Me encolho ainda mais.

-Emmy, está tudo bem? Teve algum pesadelo?

-Quem... Quem é você? –Aperto minhas mãos por baixo do cobertor.

-Como assim "quem é você"? –Ele ri fraco.

-Quem é você? –Digo mais firme.

Ele me olha confuso e se senta na beira da cama.

-Emmily, você está brincando? –Ele tenta passar a mão na minha perna, mas a trago para mim o impedindo.

Ele observa minha reação e olha em meus olhos.

-Sou eu, Conrado, seu noivo.

Noivo? Quem diabos é Conrado? Busco na mente e não vem nada; ele não é do tipo de homem que uma mulher olha e se esquece. Mesmo se o tivesse visto apenas uma vez, com certeza lembraria. Logo, não sei o que fazer. Gritar não adianta de nada, correr não é inteligente e bater nele muito menos.

-Que? Claro que não! Nunca te vi na vida. Como sabe meu nome? –Disparo.

-Sete anos que nos conhecemos o mínimo a saber é o seu nome, não acha? Agora para de brincadeira, é serio! Você está me assustando.

Sete fucking anos?

-Não faz nem sete minutos que estou te vendo, como me diz que me conhece há sete anos? Você está louco! Sai da minha casa, pelo amor de Deus! –Me altero e começo a tremer.

-Ei, ei! Calma!

Ele coloca as mãos em minha cabeça e ombros. Respiro assustada e olho para elas. Vejo uma aliança em sua mão.

-Você namora e está fazendo o que na minha cama? Sai daqui! -Movo os ombros e suas mãos me soltam.

-Mas... O que? –Ele aparenta estar tão assustado quanto eu. –Olha pra sua mão, Emmily. Você enlouqueceu?

Ao olhar uma aliança no meu dedo me desespero e saio correndo da cama, mas antes de chegar à porta minha cabeça lateja e caio.

-Emmily! Puta merda...

Ele me pega nos braços e me coloca na cama novamente. Quando se afasta um pouco, vejo meu celular sobre a outra cômoda e o pego rapidamente. Vou aos contatos com as mãos trêmulas.

-Cadê? Cadê? Cadê?

-Cadê o que?

Procuro meu pai ou minha mãe nos contatos e não os encontro.

-Mãe, eu preciso de você! –Digo baixo para mim mesma enquanto vasculho tudo.

Olho para ele desesperada e ele abre e fecha a boca como se fosse dizer algo, mas não soubesse como ou o quê.

- O QUE FOI? –Bravejo.

-Não estou entendendo nada. Você apagou o número deles em uma das sessões de terapia, não se lembra?

-Que terapia o que! Nunca fiz terapia nenhuma. Me fala o número deles!

-Emmy, seus pais morreram há dois anos e você sabe disso. Pensei que tivesse superado...

-Para de mentir seu... seu... Argh! É mentira! Quem é você? Por que está mentindo? Para com isso!

-Meu Jesus... –Ele arregala os olhos e fica de boca aberta, atônito.

Começo a chorar desesperada sem saber o que fazer. E então sinto o seu toque. Levo um susto e o olho.

-Para com isso, Emmily! –Ele ordena e minha voz some.

Ele pega o celular das minhas mãos e ouço os bips de chamada. O silêncio paira sobre o ambiente e eu o observo por alguns segundos.

-Oi, Emma. Desculpe ligar agora, mas preciso da sua ajuda rápido.

Emma! Minha irmã! Levanto do encosto da cama e ameaço pegar o celular, mas ele me olha bravo e vira de costas para mim.

Ele cochicha algo e olha para mim desconfiado. Me entrega o celular e quando o vejo é um vídeo chamada.

Olho minha irmã loira de olhos claros sorrindo para mim.

-Hey, Milly. O que está acontecendo? –Ela me chama pelo apelido de infância e suspiro relaxando um pouco me sentido segura pela primeira vez. Seu rosto agora é de preocupação.

Olho para Conrado que está de frente para a cama me observando de braços cruzados. Com o meu silêncio ele entende e sai do cômodo.

-Em, você precisa me ajudar! Acordei não sei aonde e um louco estava no meu quarto. Não consigo falar com mamãe e o papai. Ele me disse que estão mortos, vê se pode! Morto vai estar ele quando eu ligar pra polícia e... Por que aí está sol? –Observo curiosa.

-Emmily! Respira e me escuta, okay?

Aceno a cabeça positivamente prendendo o ar e soltando.

-Se acalma e presta atenção. Conrado é realmente seu noivo e vocês moram juntos faz um tempo já, desde que papai e mamãe sofreram o acidente.

-Meu Deus, eles estão bem?

-Me escuta! – Ela suspira. –Eles morreram, Milly. Faz dois anos. Preciso que você se acalme. Você deve estar tendo mais um lance daqueles que teve no início do luto, não lembro o nome... Relaxa! Olha para mim. Conrado cuida de você, confie nele. Vá dormir e pela manhã procure seu psiquiatra, okay?

Sem reação apenas a olho nos olhos através daquela tela e sinto um vazio enorme dentro de mim. Saio do transe quando ouço uma voz de criança.

-Mommy! –Emma olha para baixo.

-Milly, preciso ir. Murilo acordou.

-Quem é Murilo? –Pergunto quase sem voz.

Ela me olha de jeito estranho, pensando no que dizer.

-Vá dormir, irmã. Me ligue depois que for ao Dr. Fernandes.

E então desliga.

Fico imóvel e as lágrimas escorrem. Sinto uma dor no peito e me inclino para frente quase sem ar, chorando como nunca chorei antes.

Sinto Conrado se aproximar, mas não mudo de posição. No momento se ele for um assassino eu nem me importo. Emma disse para eu confiar nele. Não sinto como se estivessem mentindo para mim ou me enganando, mas por sentir exatamente isso me encontro perdida sem entender o que acontece comigo.

-Calma, Emmy. Calma.

Ele passa os braços por mim e apoia o queixo em minha cabeça.