Saudade

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Acordo e preciso de uns minutos para repassar em minha mente tudo o que acabou de acontecer. Me levanto e vou para o quarto, onde encontro Conrado na varanda, apoiado na grade, olhando as rosas.

Fico o observando da porta. Ele passa a mão no cabelo, suspira, nega com a cabeça, olha para o céu e para o chão. Está agoniado, nervoso. Aos poucos me aproximo dele e o toco nos braços para saber que estou aqui.

-Você está bem?

Ele me olha e sei que seu primeiro instinto é dizer que sim, mas ele apenas continua a me olhar.

-O que está pensando? –Pergunto.

-Nele... –Tira a sua atenção de mim e se volta para as rosas no jardim abaixo de nós.

-Você precisa parar de se martirizar tanto. Já faz muito tempo...

-Eu não posso deixar de pensar nele e o deixar morrer na minha memória; ele já morreu uma vez, não merece ser morto de novo. Ainda mais por mim...

Fico em silêncio. Apenas o abraço encostando minha cabeça em suas costas enquanto ele continua apoiado na grade.

-Fico pensando como ele estaria hoje... A fisionomia dele. Como a risada dele é e saber se mudou ou continua a mesma da que me lembro. Não posso evitar pensar nele aqui do meu lado, ou jogando cartas comigo, ou me contando sobre o seu dia. E eu sei que estaríamos vivendo todas essas coisas se eu tivesse sido firme e o obrigado a ficar em casa ou até mesmo se ele tivesse ido à festa comigo, mas sem o Natan. Ou se eu não tivesse ido e ficasse com ele em casa assistindo algum filme idiota... São muitas as possibilidades e eu escolhi a errada.

Quero dizer como Vicente é um homem bonito de cabelos negros e olhos claros como os dele. Que seu coração continua bom da forma como se lembra e que ele o tem amado por todos esses anos. Mas reprimo todas essas palavras dentro de mim.

-Vocês não escolheram nada, Conrado. Aconteceu. Vocês não podiam saber que aconteceria um acidente.

-Eu fui irresponsável. Meus pais têm todo o direito de não manter contato comigo hoje.

-Não se martirize achando que tudo isso é merecido. Foi um erro que poderia acontecer a qualquer momento da vida de vocês, cedo ou tarde, assim como aconteceu com meus pais. Sei que dói, que a imaginação é fértil e que as lembranças nos faz sofrer, mas olhe aqui. –Trago seu rosto para mim. –Essa é a nossa vida. Sem eles. E não temos culpa disso. Temos que viver da forma como eles querem que vivamos: felizes. Seguindo em frente.

Ele me abraça e seu corpo rígido me mostra o controle que ele está tendo para não expor seus sentimentos.

-Às vezes parece que posso senti-lo... É louco, mas eu sei que posso, que me ouve. É estranho...

-Eu tenho certeza que ele está com você. Ele era um garoto bom, não era? Ele continua sendo e por você. Acredite nisso.

-Eu acredito. –Se volta para a grade. –Ele amava rosas. Idiota, né? Mas vira e mexe tinha uma em nosso quarto. Ele pegava uma pétala sempre que levava uma para lá e guardava. Tinha uma caixinha cheia delas, algumas já até secas. Eu o chamava de louco e ele pouco se importava. Hoje sou eu quem fico rodeado delas porque sei que ele, de algum lugar, está vendo e sabe que me tornei louco igual a ele. –Conrado ri.

Vejo uma sombra e olho rapidamente para dentro do quarto. Vicente está no canto do cômodo e sei que está ali há algum tempo. Seu semblante é triste e me contenho para não ir abraça-lo.

-Ele está vendo tudo, pode ter certeza.

Vicente me dá um sorriso fraco e desaparece. Abraço mais forte Conrado e ficamos ali observando as rosas direcionando nossos pensamentos para aqueles que foram tirados de nós.

Entre o passado e o agoraOnde histórias criam vida. Descubra agora