Memória

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-Primeiro passo: Você vai aparecer para Emmily.

-O que? Para quê?

-Para assustá-la.

-Eu não quero isso, não, Natan...

-Para de ser frouxo! Você já está morto, não foi para o paraíso, quer ficar fazendo o que? “Viver” debaixo da sombra de Conrado por toda a eternidade?

-Claro que não, mas não tenho esse sede ridícula de vingança.

-Olha aqui! –Ele me pega pela gola da camisa. –Eu estaria vivendo minha vida se não fosse pelo imbecil do seu irmão e aquele acidente tosco. Por que ele sobreviveu, hein? Por que ele não está aqui com você no meu lugar? Concorda que poderia ser diferente?

-Mas não é! –Tiro sua mão.

-Mas ainda pode ser. E se você não vier comigo eu pego aquela coitada que você se apegou mais do que deveria e a faço morrer assim como fiz com os pais da putinha de Conrado.

-Você é louco? Pare de falar essas coisas, eu acabo com você! –A ira me consome e vou para cima dele.

Mas ele some e aparece do outro lado do cômodo em que estamos.

-Quer brincar de caça fantasma? –Ironiza.

-Você é um sádico... –Caio no chão e apoio minha cabeça nas mãos.

-A decisão é sua. Se bem que aquela garota sofre tanto que eu a matar poderia ser um alívio...

-Como você consegue? Hein? –Esbravejo com a indignação de estar ao lado de um doente tão mau e sangue frio.

-Eu consigo tudo o que quero. Não consegui naquela vida porque Conrado me tirou a possibilidade, mas eu tenho toda a eternidade para conseguir agora. E eu vou!

***

A vida de Conrado finalmente estava entrando em seus eixos. Conquistou muito mais do que eu e ele poderíamos imaginar. Mas ele sofre. Todas as noites ele pensa em mim e naquele maldito acidente. Emmily é o tipo de mulher que todos querem por perto, e Conrado a merece assim como ela o merece. Eles são bons juntos.

Alice... O que mais eu poderia pensar sobre Alice sem que meus sentimentos se afoguem? A vibração dela me faz bem, me faz me sentir vivo. Eu não posso permitir que mais algum mal a atinja.

***


Natan, como mágica, apaga a memória de Emmily dos últimos sete anos de sua vida. Sopra medo em seu ouvido e se afasta para analisar o trabalho feito.

Ela acorda apavorada. Natan apenas bate gentilmente o seu dedo indicador em sua têmpora e Emmily sente uma dor infernal. Ela dorme.

-Agora assistimos o circo pegar fogo. –Sussurra rindo para mim, amando o que está acontecendo. E eu só consigo olhar.

Natan dá a volta na cama e sopra na garganta de Conrado, que acorda com muita sede.

Quando meu irmão desce para beber água, Natan vai atrás. Fico no quarto observando Emmily. Eles não merecem isso...

Olho para trás e não vejo sinal de Natan. Me aproximo de Emmily  e tento recuperar o que ele tirou dela, mas suas memórias agora estão com Natan. Ele pensa em tudo.

E então ouço um barulho lá em baixo e temo pelo o que Natan pode ter feito com Conrado, mas logo vejo a silhueta de ambos se aproximar.

-É agora! –Ele se anima.

-Emmy, está tudo bem? Teve algum pesadelo? –Conrado pergunta.

-Quem... Quem é você?

-Como assim “quem é você”?

Posso ver o medo estampado no rosto de Conrado.

-Quem é você?

Emmily não se lembra mais de Conrado.

Pronto. Natan consegue mais uma coisa da sua lista.

Ele ri. Ri da reação de Emmily e do medo de Conrado. Ri de mim que não consigo dizer nem fazer nada.

***

A

lguns dias se passam e Natan observa com muita atenção cada detalhe do que tem acontecido com meu irmão e minha cunhada.

-Conrado é um nojento... Fica jogando charme para ela.

-Nojento é você que fica observando a vida dos dois.

-Cala a boca, Vicente. Olhe só! Nem o médico consegue entender o que aconteceu. Será que se descobrir vão me prender por roubo? –E gargalha.

E eu reviro os olhos.

-Cadê o senso de humor? Hein? Venha cá. –Ele passa seu braço pelo meu pescoço e me traz para perto de si.

-Fala logo, Natan.

-Chegou o momento.

-Ah, não...

-Ah, sim! –Ele me solta comemorando.

Volta o olhar cínico para mim.

-Ou quer que Alice pague por isso?

E ameaçado eu vou.

Na mente de Emmily me esforço para agir como Natan agiria. Sendo nojento e egocêntrico. Posso sentir o medo dela.

-Muito bem! Beije ela, ande! –Eu ouço sua voz na minha cabeça. –Se não fizer já sabe...

E ele ri sarcasticamente.

Eu não quero, mas assim faço. Beijo a mulher do meu irmão.

Ela reage e mesmo sentindo dor, fico feliz por ela não ter me permitido continuar.

E ela também cospe no meu rosto.

-Largue essa vagabunda aí, já deu.

Com ódio das palavras de Natan em minha cabeça, saio da mente dela e me sinto exausto.

-Bom trabalho, Vicente. Deixou o papai aqui orgulhoso.

Passo por ele com muita fúria e sigo para qualquer lugar, contanto que eu fique longe deste sádico.




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