Denúncia

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-Você sabe dirigir esta coisa? –Ela pergunta.

-Claro que sim! –Digo não muito convencida.

Coloco a chave na ignição e pressiono o acelerador. Levamos um susto com o ronco do motor. Aperto o controle para que o portão se abra e sem jeito saio da garagem.

-É seguro, Emmily?

-Está comigo está com Deus.

Vou pegando o jeito e no fim da rua já consigo dominar melhor essa máquina.

Depois de umas pesquisas no GPS e algumas perguntas para as pessoas que passavam pela rua, achamos a delegacia.

Estaciono o carro na frente do lugar e aciono o alarme. Saímos e peço para que ela espere no banco enquanto vou ao balcão falar com uma policial.

-Boa tarde.

-Boa tarde. Posso ajudar?

-Preciso fazer uma denúncia. Minha amiga foi agredida pelo homem que a... abusou. –Eu mal consigo dizer.

Ela olha para depois de mim e vê Alice sentada com a cabeça baixa.

A policial Vieira nos guia para fazermos o depoimento e todos os passos necessários para levar adiante este caso.

Alice está nervosa. Eu também estou, mas passo segurança para ela, para que tenha coragem de se livrar deste fardo.

Demora quase duas horas para conseguirmos medida protetiva e a finalização do caso. Ainda fomos encaminhadas para o IML para que Alice faça o exame de corpo de delito.

Enquanto um médico a analisa, recebo uma chamada de Conrado.

-Como vocês estão?

-Estamos bem. Daqui a pouco vamos para casa.

-Ela virá para cá?

-Posso te perguntar uma coisa?

-Claro.

-Você acha que, mesmo sem ter perdido a memória, eu a ajudaria da forma como estou a ajudando? Porque eu sei que parece loucura ficar horas em uma delegacia com uma garota que conheci ontem, mas eu me ponho no lugar dela, sabe?

-Você faria.

-Acha mesmo?

-Acho. Você sempre esteve disposta a ajudar quem quer que fosse. Vou direto para casa e adianto o jantar para nós três, vocês devem estar famintas.

-Obrigada, Conrado.

-Eu agradeço por você me surpreender a cada dia.

Desligo a chamada com o coração cheio.

Saímos do IML com os papeis. Em breve ela irá receber uma carta informando o andamento do processo.

-Pode me deixar em casa? Se bem que é meio perigoso você chegar com esse carro no meu bairro...

-Não quer ficar na minha casa? Conrado está preparando a janta e você pode dormir por lá. Te empresto umas roupas.

-Não quero abusar, Emmily. Não sei nem como reagir com tudo o que tem feito por mim.

A abraço.

-Só por esta noite.

-Tudo bem.

Entramos no carro.

-Emmily, obrigada. É sério. Eu não consigo acreditar que aquele tombo nos levaria a isso. –Ela ri fracamente.

-Nem eu. Mas quero que fique à vontade comigo e com minha casa, certo? Não pense que tem alguma dívida comigo.

-Você é incrível.

***

Já em casa separo algumas roupas confortáveis para que ela possa dormir bem e deixo no banheiro de hóspedes para que Alice tome banho enquanto ajudo Conrado na cozinha.

-Como foi lá? –Ele pergunta enquanto pica algumas cebolas.

-Tenso. Mas foi o certo a se fazer.

-Com certeza foi. E corajoso.

-Foi preciso. –Pego folhas de alface e as lavo junto com alguns tomates.

-E sobre a conversa?

-Terrível, para ser sincera. Essa menina é guerreira só por estar de pé hoje. Tudo foi muito triste na vida dela.

-Espero que as coisas melhorem a partir de agora.

-Eu também espero. Ah, mais uma vez, obrigada por tudo hoje. Você tem sido incrível para mim.

Ele para de picar as cebolas e me olha.

-Não precisa chorar pelo o que eu disse! –Zombo dele.

-Idiota! –Ele abre a torneira e espirra água em mim.

Alice aparece sem jeito com as minhas roupas emprestadas e a toalha enrolada na cabeça.

-Precisam de ajuda?

Ficamos nós três na cozinha preparando a janta. Sei que Conrado ainda tem um pé atrás, e não o julgo, mas ele tem sido simpático com ela e eu não esperava por menos.

Nos sentamos à mesa e nos servimos.

-Então você já tentou estagiar na nossa editora, Alice? –Ele puxa assunto.

-Mais de uma vez, para ser sincera. Mas fui por empolgação mesmo. Não tenho tempo de curso suficiente para conseguir trabalhar na Limbus. Por enquanto trabalho em uma gráfica pequena, mas não reclamo. Tenho muitas edições dos livros que vocês publicam, é sensacional!

-Obrigado. Muito bom saber que somos admirados.

-E como são!

Alice se despede de nós e vai se deitar no quarto. Conrado e eu subimos para o quarto.

-Como você está? –Ele pergunta tirando os sapatos e olhando nos meus olhos.

-Ah, o dia foi cheio e...

-Quero saber de você. Como você tem se sentido.

-Por incrível que pareça estou bem. Me esforçando ao máximo para me adaptar. Gosto do que estou vivendo, apesar das dores que sinto pelas perdas. E você?

-Estou bem.

-Sinceramente, Conrado.

Ele suspira e para de procurar suas roupas de dormir pra olhar para mim.

-Esgotado.

-Me deixe te ajudar! Eu nunca tinha dirigido uma Mercedes até hoje de tarde. E eu dirigi muito bem! Meu corpo sabia o que fazer. Pode ser que isso aconteça com as coisas da editora também. 

Ele me analisa.

-Podemos tentar. Amanhã te mostro algumas coisas para se acostumar com o trabalhar e testar.

-Obrigada! –O abraço sem pensar muito.

Ele não me solta. Pelo contrário, mantém seus braços mais forte ao redor do meu corpo.

-Você tem saudade de mim? Do meu eu de antes?

-Tenho. Mas eu ainda te tenho aqui, eu sei disso. Vamos conseguir passar por isso.

O olho nos olhos e o tempo para por um instante.

-Vai ficar tudo bem. –Sussurro.

-Sempre fica.

Seu rosto se aproxima do meu e eu não recuo.

-Te amo, Emmy.

Ele me beija e sinto meu corpo em êxtase.

Entre o passado e o agoraOnde histórias criam vida. Descubra agora