Despedida

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Quando desperto estou em uma cadeira de rodas sendo guiada para uma sala de hospital às pressas.

Estou tão fraca e cansada que manter minhas pálpebras abertas está sendo um tremendo esforço para mim.

Mas preciso continuar lutando.

Estamos todos sujos e eu ainda mais por conta de tanto sangue. Percebo os olhares dos outros pacientes e sei o que passa na mente deles. Mas como realmente explicar tudo isso que acabou de acontecer?

A correria não faz nem Conrado e nem Vicente se afastarem de mim; eles permanecem lado a lado ao meu lado fazendo o que podem para que isso tudo logo tenha um fim.

Uma mulher de jaleco branco abre uma porta rapidamente e os enfermeiros que guiam minha cadeira se apressam para entrar. Vicente vai parando no corredor e nossas mãos se separam, mas Conrado me acompanha até a médica indicar o limite para onde ele pode ficar, que é ao corredor junto com Vicente. E o seu olhar se cruza uma última vez ao meu.

-Te amo! –Ele sussurra.

Quero responder, mas não há tempo.

Sinto meu corpo ser erguido e posto a uma maca. Olho o teto e a luz incandescente que faz meus olhos arderem gemendo de tanta dor.

Olho para o lado e vejo Vicente no canto da sala. Sei que apenas eu o vejo então ergo minha mão para que ele se aproxime.

Cuidadosamente ele vem, passo a passo, e segura fortemente minha mão.

-Estou com medo... –Sussurro para Vicente, mas a médica quem responde.

-Vai ficar tudo bem, Emmily. –E aplica uma agulha em meu braço.

Vicente se abaixa até a altura do meu ouvido e sua outra mão me faz carinho na cabeça.

-Ouça, Emmy. Quando eu era pequeno, uma vez, quebrei a janela da vizinha com a bola e coloquei a culpa em Conrado. Óbvio que ninguém acreditou em mim, mas valeu a tentativa, não acha? Sabia que ele ficou tão bravo comigo por isso que ficou uns dois dias me ignorando. Foi terrível... E uma vez estávamos na praia e corremos para o mar; nesse dia pegamos inúmeras conchas e pulamos várias ondas e criamos um cumprimento.

Carinhosamente ele reproduz o cumprimento comigo.

-Eu amava ficar perto dele. Conrado sempre foi o meu melhor amigo, sabe?

E ele continua a me contar histórias dos dois, o que me mantém acordada e calma. Ouvi-lo tão de perto me traz paz.

Sinto um gel gelado em minha barriga e uma coisa pressionando meu abdômen.

-Mas... Não tem nenhum feto aqui. –Constata um enfermeiro.

Vicente para de falar e presta atenção, assim como eu, na conversa dos médicos.

-Espere aqui, Emmy.

Ele caminha e para atrás dos médicos. Meu coração acelera e entro em desespero sem conseguir discernir o que acontece à minha volta.

Apago ouvindo bips acelerados na máquina ao meu lado e sentindo a movimentação dos médicos para controlar meus batimentos.

-Emmy, eu amo vocês. Amaldiçoo a vida por não me permitir ficar e passar o tempo que ela fornece ao lado da minha família, mas ao mesmo tempo eu abençoo a vida; a vida que logo estará em seus braços. Você se sacrificou tanto e se arriscou muito por mim, Conrado se dedicou ao jardim para me manter por perto, mas sofrendo e nunca seguindo em frente por minha culpa. E eu apenas trouxe sofrimento. Mas agora... Agora eu posso ser quem eu sou e deixar a vocês um presente. –Sua voz ecoa em minha mente.

Vejo em minha mente a visão de Conrado no corredor abraçando a Vicente, se despedindo. Ele chora descompassadamente e posso imaginar a dificuldade dele dizer adeus pela segunda vez ao irmão mais novo. Vin também chora, mas emana dele um sentimento de compaixão, de amor, de liberdade. Seu sorriso faz Conrado sorrir. Eles fazem aquele cumprimento e Vicente beija a mão do irmão, sumindo.

-Emmy. –Sinto seu toque quente.

-Vicente, por favor, não vá.

-Ela está delirando. –Ouço uma das médicas dizer.

-Eu sempre vou estar com vocês pode ter certeza. Obrigado por tudo, eu nunca irei me esquecer de você, Emmy.

-Te amo, Vicente.

-Eu também a amo, Emmily. Até logo, ruiva. –Diz com a mão em meu abdômen.

Sinto seus lábios depositando um beijo em minha testa e uma lágrima dele cai sobre meu rosto.

-Cuide de Alice por mim.

Ele encosta seu rosto em minha barriga e fecha os olhos depositando um beijo nela também.

E, pela última vez, ele some.

-Aqui! Agora eu posso ver! Isso é... É um milagre! –Ouço o enfermeiro dizer, o mesmo que há pouco tempo havia constatado que não havia nenhum feto em mim.

Entre o passado e o agoraOnde histórias criam vida. Descubra agora