...E digo

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Sinto o líquido descer pela minha garganta e meus olhos se abrem involuntariamente, mas não enxergo nada além de uma luz branca. Ouço milhares de conversas aleatórias ao mesmo tempo em minha mente e imagens passam como filme em segundos diante de mim.

Minhas forças se esvaem e não consigo mais me manter acordada.

-Não, Emmy, não desmaie! Me escute! Não vá agora!

Sinto o seu corpo sair de cima de mim e com a visão embaçada vejo Vicente pular na água.

Em minha mente vem uma lembrança de minha mãe indo ao meu quarto antes de eu dormir.

-Boa noite, mamãe.

-Boa noite, filha.

Ela passa a mão em meus cabelos, tirando a franjinha lisa e laranja de meus olhos.

Me volto para a realidade e com sussurros e imóvel canto a música que ela cantava para mim até eu cair no sono.

-“Não existiria som se não houvesse o silêncio. Não haveria luz senão fosse a escuridão. A vida é mesmo assim: Dia e noite, não e sim.”

Ouço ao longe a voz de Vicente gritar por Conrado e a imagem da silhueta de Natan saindo da água e vindo cambaleante até mim.

-“[...] Cada voz que canta ao amor e diz tudo o que quer dizer tudo o que cala fala mais alto ao coração. Silenciosamente eu te falo com paixão.”.

Com força Natan me fere no estômago e eu apenas suspiro fracamente. Sinto um líquido escorrer pelas minhas coxas; coloco minha mão próxima à virilha e consigo ver o sangue que está saindo de mim.

-Essa vai ser a última coisa que vou te fazer perder!

Minha cabeça pende para o lado e vejo Vicente arrastar Conrado para fora d’água. Ele faz massagem no peito do irmão enquanto reveza com a técnica de respiração boca-a-boca.

Logo Conrado cospe água em todo o seu corpo e tosse. Me sinto aliviada, mas também sinto as mãos de Natan em meu pescoço.

Estou me sentindo ir assim como estava naquele pesadelo no oceano.

Descendo, descendo.

Indo, indo.

Eu luto, mas sei que não posso mais lutar o suficiente.

Meu olhar se encontra com o de Conrado e eu estendo minhas mãos para ele, que está há metros longe de mim.

Sinto Natan cair ao meu lado e consigo puxar ar novamente. Conrado corre em minha direção e me coloca em seu colo. Ele está ofegante, machucado e confuso.

-Você está sangrando!

Ele abre o botão da minha calça e a retira para ver de onde vem o sangramento e percebo como se assusta ao perceber que não é um corte profundo e sim que o sangue está vindo de dentro de mim.

Vicente olha para o meu eu no chão sangrando e se apressa.

Retira o colar que Alice me deu e coloca nas palmas da minha mão.

-“Eu te amo calado, como quem ouve uma sinfonia de silêncios e de luz. Mas somos medo e desejo, somos feitos de silêncio e som.” – Continuo.

Já sem enxergar quase nada e sabendo que ali seria o meu fim, vejo Vicente fazer o mesmo com Conrado e com um último gesto une, entrelaçando meus dedos nos de Conrado, os triângulos em nossas correntes.

Um brilho forte emana quando o triângulo de Conrado se encaixa perfeitamente ao meu e sinto meu noivo levar nossas mãos ferozmente ao peito de Natan com um grito estridente.

Natan se esvai diante dos nossos olhos e seu olhar é de terror.

-“Tem certas coisas que não sei dizer...”.

-Me ajuda Vicente, por favor! Eu não posso perder a Emmy. Não, não, não... Emmy, olha nos meus olhos. Emmy!

A voz dele vai ficando cada vez mais baixa.

Cada vez mais baixa.

Cada vez...

***

Minha mente está confusa. Não sei mais até onde as coisas estão acontecendo e o que a dor está me fazendo ver e escutar. O escuro daquela floresta não ajuda em nada, mas eu sinto os toques de Conrado e de Vicente para me manter acordada e o desespero de ambos.

Vicente aperta a minha barriga, onde Natan me feriu, e solto um grito alto com tamanha dor.

-Precisamos parar com esse sangramen... –Ele para prestando atenção em algo.

-Vicente! –Conrado chama a sua atenção.

-Ela... Ela está grávida, irmão! –Vejo uma brecha de um sorriso, mas o semblante de preocupação é muito maior.

-O que? Mas...

-Não temos tempo! Precisamos sair daqui agora. Droga! Ela vai perder. Não, não! Natan não vai conseguir isso.

Ouço os passos dele apressados andando de um lado para o outro enquanto pensa. Toco seu tornozelo chamando sua atenção. Ele se abaixa e olhando em meus olhos percebo que está chorando.

-Se concentre. –Ponho minha mão na lateral de seu rosto e enxugo uma lágrima que escapa de seus lábios.

-Eu sinto muito por tudo. Eu vou te salvar, Emmy. –E entrelaça seu mindinho ao meu.

Conrado nos observa e segura minha mão a todo o momento. Ele está um pouco em choque.

Vicente se ajoelha e fecha os olhos para se concentrar. Depois de alguns eternos segundos ele os abre e me pega em seu colo, pegando a mão de Conrado.

E sumimos daquele lugar.

Entre o passado e o agoraOnde histórias criam vida. Descubra agora