Consulta

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-Muito bem, Emmily. Você se lembra de mim?

-Não...

-Sabe meu nome?

-Doutor Fernandes, mas só sei porque minha irmã me disse para vir até o senhor. Ela sim te conhece.

-Não precisa ficar desconfiada. Sou um profissional, estou aqui apenas para te ajudar, compreender o que houve e te fazer entender também. Certo?

Relaxo um pouco no sofá.

-Me conte como aconteceu, Emmily.

Narro para ele tudo o que houve na noite passada e o que senti; como me sinto ao ver que tenho um noivo, porém, sequer o conheço. Que moro em uma casa da qual não sei nem onde fica o banheiro e mais um milhão de coisas.

-Você sabe ou faz ideia do por que começou a ter consultas comigo?

-Sinceramente, não.

-Preciso que preste atenção no que irei dizer. -Fico com medo do que pode vir a mim com aquela seriedade toda. Ele se arruma na cadeira e levanta os óculos olhando em meus olhos.

-Tudo bem...

-Emmily, se você tivesse sofrido um acidente eu compreenderia melhor sua perda de memória, mas isso não aconteceu. Existem variados tipos de reações quando o cérebro sofre algum tipo de dano e seu caso parece muito mais sério e muito além da minha alçada para te diagnosticar. Veementemente você acredita que seus pais estão vivos, mas justamente a morte deles a fez vir até meu consultório três vezes por semana durante um ano e meio.

Ele aperta um botão no telefone em sua mesa e pede para que chamassem Conrado a sua sala também.

-O sentimento do luto prega peças na mente de quem sofre a perda e a negação de que tal fato aconteceu é uma delas. Mas fizemos muitas sessões, muitos tratamentos e muitos medicamentos que te ajudou a seguir em frente. O que você está passando não é incomum, mas seria hoje plausível se o acidente de seus pais não tivesse acontecido há dois anos, se fosse recente, mas não é. Porém, o que me intriga é não reconhecer Conrado...

Ele escreve algo em um papel e Conrado, agora sentado ao meu lado, e eu, prestamos muita atenção. Muita informação para processar. Conrado, Emma e agora o psiquiatra dizendo as mesmas coisas para mim. É difícil me convencer do que eles dizem por eu não me lembrar e nem sentir ter vivido todas essas coisas, mas como dizer que é mentira?

-É como se seu cérebro tivesse deletado tudo o que você viveu nos últimos sete anos, apagando Conrado de sua vida e te fazendo, falsamente, crer que seus pais estão vivos e Emma continua com a vida dela junto de você. Por isso não conhece sua casa, os motivos de tê-la, seu noivo e tudo o que te contrapõe à realidade. Você está vivendo seu passado como se seu presente não existisse.

Ele dispara as informações e eu tento processar tudo o que diz. Conrado parece tão confuso quanto eu.

-Isso é fascinante! –Ele sussurra, mas se repreende por saber que para mim é uma desgraça.

-E o que diabos eu faço?

-Não sei como reverter isso por não saber o estopim, o que motivou seu relógio biológico regressar tanto. Mas, para começarmos, vá a um neurologista e faça uma tomografia. Qualquer sinal de algo diferente pode nos ajudar a decifrar aos poucos. Vou receitar um calmante natural para sua ansiedade.

Antes de sairmos do consultório o doutor cochicha algo para Conrado por um tempo, mas não consigo ouvir.

Ele abre a porta do carro novamente para eu entrar e quando também entra diz que vamos passar na farmácia para pegar o tal remédio receitado.

-O que achou disso tudo? –Ele pergunta manobrando a Mercedes.

-Não sei dizer... É coisa demais para eu assimilar.

-Hm...

-Conrado, eu acredito em tudo o que me foi dito. Sério. –Pego em sua mão apoiada no câmbio de trocar marcha e ele me olha no fundo dos olhos.

-Fico feliz que acredite. Está tudo confuso para mim também...

-Eu imagino... É uma loucura! Para mim, eu vi meus pais ainda ontem e agora me dizem que eles estão mortos e há muito tempo. É tão... –Balanço a cabeça e os braços indignada e confusa demais.

-É idiota demais eu pedir calma, ainda mais te conhecendo bem e saber a baixinha enfezada que é. -Ele ri fracamente tocando meu ombro, me fazendo relaxar os músculos. -Mas tente. Não pense demais, não vai adiantar. Nós vamos descobrir o que aconteceu.

-Tudo bem... –Concordo me sentindo vencida pelo cansaço emocional.

-Eu pensei em algo, mas não farei sem que você queira. Estou com medo, mas pode te ajudar.

Espero ele continuar.

-Quer vê-los?

Meu coração palpita e hesito, mas eu preciso ver com meus próprios olhos para acreditar no que tanto me dizem. Então, mesmo sentindo o mesmo medo que ele diz sentir, concordo.

Ele muda a rota e sento sua inquietação pela forma como aperta o volante.

-Conrado, agora eu quero que você relaxe.

-Desculpa.

E seguimos até a grande entrada do cemitério. Meu estômago embrulha.

-Olha, se você não quiser não tem problema. Nós vamos para casa para você descansar.

-Não, tudo bem. Me leve até lá.

E passando por túmulos e mais túmulos, observo flores murchas e velas já no fim, as datas e fotos gravadas nas inúmeras lápides.

-É ali.

Me aproximo de onde ele aponta e vejo, lado a lado, duas lápides com o meu sobrenome em destaque. Quando paro em frente leio os nomes Isabel Figueiredo e Jonas Figueiredo com a data de dez de julho de 2015 do falecimento. Passo a mão pelo cimento frio que diz que ali estava a mulher mais forte e linda do mundo que já havia conhecido e o homem engraçado que me deu vida todas as manhãs com suas piadas criativas.

Conrado permanece parado atrás de mim. Olho para ele sem saber o que fazer apesar de eu só querer chorar. Ele dá passos à frente e então me envolve com os braços.

-Você não precisa ser forte agora.

E com esse passe livre, choro como uma filha que descobre que seus pais estão mortos.

Entre o passado e o agoraOnde histórias criam vida. Descubra agora