Promessa

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Pela manhã resolvo ir à editora com Conrado e sinto mais de perto o que é estar envolvida com o ambiente e as pessoas que ficam perambulando para lá e para cá a todo segundo. Como mágica, talvez, consigo fazer as coisas que normalmente eu fazia. Meu corpo corresponde a tudo de forma automática, sem precisar que eu me esforce para lembrar como agir e me sinto confortável ao saber que sou capaz de levar minha vida mesmo com tanta loucura no meio.

Resolvo sair mais cedo que Conrado. Entro no carro estacionado em minha vaga e saio do prédio.

-Oi, Emmy. –Vicente aparece no banco de trás.

-Meu Deus, Vicente! –Levo um susto que faz meu coração acelerar.

-Desculpe. –Ele passa pelo centro para poder sentar no banco do carona. –Como tem passado?

-Não sei como não enlouqueci. Eu falo com um fantasma!

-Não sou um fantasma. –Ele se faz de ofendido e me dá um beliscão.

-Ai!

-Eu sou bem real, só quando quero.

-Eu estou bem, tirando a dor no braço agora. –O olho feio e ele apenas ri. –E você como está, Gasparzinho?

-Ainda pensativo sobre ontem... Eu sabia que ele se culparia a vida toda pelo o que aconteceu. Você foi boa em suas palavras, mas convencê-lo de que não tem culpa no que houve não será uma tarefa fácil.

-Você pode convencê-lo...

-Emmy...

-Eu só disse.

-Não posso arriscar tudo agora. Sei que eu deveria ter aparecido há muito tempo, mas... Esquece. Vou dar um jeito.

Ficamos em silêncio por um tempo.

Abro a porta da garagem e guardo o carro.

-E o que vamos fazer? –Digo entrando.

-O que você vai fazer.

O olho sem entender.

-Como assim? Não seríamos nós?

-Será mais fácil agir sem você por perto.

-Onde está N agora?

-Com Alice. Mas ela está bem. Volta amanhã e virá aqui para te ver.

-Por que ela não me ligou?

-Ele bloqueou o sinal dela para que não se comunicasse com você, mas está tudo bem. Eu te garanto.

-E o que tem em mente?

-Precisamos recuperar sua memória primeiramente e depois acabar com tudo isso. Ele acha que fui um idiota esse tempo todo, mas enquanto ele focou em crescer eu foquei nas maneiras de o diminuir. A primeira reação dele vai ser ir atrás de Alice para me ferir, por isso prefiro que você não esteja aqui para estar com ela e também para não colocar sua vida mais em risco do que já está. Eu não vou deixar nada acontecer a Conrado, eu prometo. –Ele promete pegando em minha mão e me olhando nos olhos.

-Quando faremos?

-Quando N der sinal de que vai concluir sua vingança. Sei que será logo.

-E você?

-Eu sou a última pessoa com que deva se preocupar. Apenas confie em mim, tudo bem? Vou arrumar essa bagunça e vocês terão suas vidas novamente. É o mínimo que posso fazer.

Fico o olhando.

Ele é realmente muito lindo e posso notar alguns traços semelhantes aos que existem em Conrado. Meu coração se entristece. Vicente não merecia morrer, muito menos daquela forma e muito menos ainda com o cretino que fez toda essa merda.

-O que foi? –Me pergunta.

-Nada... –Passo minha mão pelo seu rosto e posso sentir toda a dor dele. Na minha mente passam imagens como em flashes de dois garotos brincando em um jardim, depois os mesmos adolescentes jogando cartas e indo para o colégio; depois três meninos em um carro e parando na frente de uma casa lotada. Um flash rápido de um deles dançando com uma garota e depois a beijando; após isso um carro e luzes de carro de polícia.

Tiro minha mão do rosto de Vicente como se eu tivesse levado um choque.

O silêncio se instala no ambiente que estamos. Tenho dificuldade de absorver tudo o que acabou de passar na minha mente.

Quero chorar.

Vicente se aproxima.

Ele me abraça.

-Eu nunca quis machucar ninguém... –Ele diz.

Vicente foi um sádico nas suas primeiras aparições, um cara da qual me embrulhava o estômago. Mas eu posso enxergar a verdadeira essência dele e começo a sofrer da forma como Conrado tem sofrido há anos. Esse Vicente diante de mim, que me aninha e se aninha em mim, nos faz sentir falta dele. Me faz pensar como seria ter meu cunhado por perto, juntinho da gente. E então, posso sentir toda a amargura que envolve o acidente e a morte de Vicente.

-Eu sei... Nós vamos arrumar tudo isso.

Dou o meu mindinho como promessa e ele entrelaça o dele selando nosso compromisso de nos libertar de tudo o que tem nos impedido de ser felizes.

Entre o passado e o agoraOnde histórias criam vida. Descubra agora