Flores

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-Está com fome? -Me pergunta.

-Não...

-Mas você precisa comer. Olha, que tal sairmos um pouco daqui, hein? Preciso comprar umas coisas para o jardim, você pode me ajudar.

-Parece ótimo. -Digo desanimada.

-Vamos! Não deixe isso te afetar tanto. Venha, se arrume e depois podemos comer algo no caminho.

No carro toca uma música na rádio que não faço ideia de qual seja e ele canta batendo os dedos no volante. Me divirto observando a performance, mas encosto a cabeça no vidro e olho a movimentação do lado de fora por onde passamos. Vejo rapidamente uma figura no retrovisor. Levo um susto por jurar tê-lo visto.

-O que foi?

-Nada, está tudo bem. -Ele olha para frente, mas segura minha mão esquerda até ter que trocar uma marcha.

Chegamos a uma lojinha bem arrumada e cheia de flores e coisas de jardinagem. Ele entra segurando minha mão e cumprimenta a moça, aparentando ter uns trinta anos, que está no balcão.

Enquanto ele compara as coisas que precisa comprar, passeio por entre as bancas de flores vendo os nomes e sentindo o perfume de cada espécie.

-Posso ajudar?

-Não, está tudo... -Fico muda. É ele!

-Tem certeza... Emmy? -Sussurra meu nome.

Procuro por Conrado e corro até ele. Ele nota minha inquietação, mas a moça chama a atenção dele para umas ferramentas. Enquanto isso, sem vergonha nenhuma, Vicente se aproxima e estende a mão para cumprimenta-lo.

-Olá, sou Vitor. No que precisar, pode me chamar!

Vitor? Eu estou tão chocada com a cara de pau dele que fico imóvel.

-Muito obrigado. -Responde Conrado. - Poderia separar algumas flores e sementes para mim? Minha noiva escolhe.

-Claro que sim. Me siga.

Eu não acredito que Conrado vai me fazer ficar com aquele nojento!

-Não, vou ficar aqui. Depois você escolhe. Não me lembro de flor alguma além de rosas...

-Não tem problema, Emmy. Escolha as que preferir enquanto vejo outras coisas. Isso já vai adiantar para irmos comer algo. -Me dá um beijo na testa e se vira para o balcão.

Sigo Vicente, Vitor, sei lá, com muito medo.

-Ora, ora. Outro momento a sós. Você está pálida! Está tudo bem? -Diz cínico.

-Vitor? Sério? Você é problemático. Eu sabia que você era real! Inferno, viu!

-Calma, Emmily, que isso? Sou bem real sim e achei que você adoraria me ver pessoalmente. Seja mais educada, por favor. Vai, escolhe logo essas florezinhas do seu amado antes que ele venha aqui.

-Como você sabia que eu viria aqui? -Tento aparentar calma, mas por dentro eu estou correndo e gritando como uma louca que tem um pesadelo e esse pesadelo se materializa a sua frente.

-Sempre sei de tudo, querida. O que você pensa e o que sente...

-Você lê minha mente? -Sussurro me arrepiando.

-Não, sua idiota. Você é tão previsível que nem é necessário ser Chico Xavier para decifrar o que pensa.

Esse homem é um porre! Pego quaisquer sementes e corro para perto de Conrado, depositando tudo na bancada.

-Acho que você se empolgou, não vamos precisar de tanto. Pegue seis dentre essas, por favor.

Com calma olho os nomes e o desenho de como é cada flor. Girassol, Violeta, Crisântemo, Margarida, Jacinto e Azaleia. Olho para trás e Vicente/Vitor está de braços cruzados e me manda um beijo e uma piscadela. Me viro e acelero Conrado.

-Pronto, vamos. -Diz pegando as sacolas e se despedindo da moça, inclusive do infeliz.

Entramos no carro e ele me pergunta se eu estou bem. Se eu disser que aquele homem da loja é o mesmo do meu sonho vou parecer louca e já estou cansada de ser a vulnerável por aqui. Apenas respondo que sim, que estava com fome e ele nos direciona para uma lanchonete.

Comemos um lanche e batata frita cada um e foi ótimo para eu realmente me distrair. Seguimos para casa em seguida, mas nem entramos; fomos direto para o jardim.

Ficosentada no balanço enquanto Conrado arruma as coisas para cuidar do jardim.

O sol está em seu pico e entro para pegar água gelada para ele.

Na cozinha, abro a geladeira e o copo. Despejo a água e sinto uma presença, mas logo sei que não é Conrado atrás de mim. Reviro os olhos de tão irritada que estou ficando com isso.

-Oi, querida. -Vicente se aproxima e cheira meus cabelos. Derrubo água na pia, sem querer.

-Mas que inferno! Você é desprezível e já estou ficando de saco cheio com suas aparições!

-Mas eu nem comecei...

-Pois é! Nem começou e já está me dando nos nervos ter que lidar com você. Some daqui, idiota! Não é bem vindo à minha casa.

-Sua casa? Então já se acostumou com sua vidinha medíocre novamente?

-Minha vida quem é medíocre? Analisa melhor a situação aqui! Me deixa em paz!

-Você brava fica linda, adorei.

-Vai infernizar outro, alguém que tenha paciência com suas palavras sem crédito nenhum. Com licença que Conrado está me esperando e a ele sim dou minha total atenção. Se não se importa...

-Me importo sim!

-Que pena. Pode ficar ai jogando sua lábia para o vento porque eu cansei de olhar essa sua cara de sonso.

Saio da cozinha pela porta de trás com o copo nas mãos e dou a volta até chegar ao jardim, com o coração descontrolado quase na boca de tanto nervosismo.

Conrado me agradece e volta ao trabalho. Sento novamente no balanço sentindo o sol em minha pele e esvaziando minha mente de tudo o que aconteceu nas últimas horas, já me preparando para o que pode vir.

Entre o passado e o agoraOnde histórias criam vida. Descubra agora