A Hélade, hoje chamada Grécia, foi uma terra onde, segundo a imaginação das pessoas que ali viviam, o extreordinário - na forma de uma poderosa trindade constituída por deuses, heróis e monstros - perambulava por campos, vales e colinas, intrometendo-se e interferindo em seu dia a dia, ora auxiliando-as, ora atormentando-as. Os crédulos mortais tudo faziam para bem conviver com essas fantásticas criaturas que dominavam os seus pensamentos e, consequentemente, as suas vidas. No imaginário dos habitantes da Hélade, a trindade sobrenatural tinha poderes ilimitados, e os homens dela se protegiam com orações e cuidados: incensavam e glorificavam os deuses para obter os seus favores e afastar, de si próprios, os castigos divinos; mantinham distância dos heróis para que esses não os emaranhassem em suas atribulações e aventuras; evitavam atrair a atenção dos monstros, cujo destino era devorar quem encontrassem pela frente.
Pobres homens! Pobres helenos! Tudo o que desejavam era viver com a aprovação dos deuses e livres dos confrontos com os heróis e os monstros.
Há séculos, eles se acreditavam à mercê da tríade lendária. Conheciam-lhe as histórias e as recontavam para que as novas gerações pudessem se acautelar contra os perigos que dela advinham. Eram relatos de amor e de ódio, de vinganças, crimes, guerras, mentira e manipulações. Narrativas fantásticas que tornavam compreensíveis fatos, sentimentos e fenômenos que, de outro modo, não seriam entendidos. Elas explicavam a vida e a morte; a boa sorte e a desgraça; o amor e a solidão; os bons e os maus ventos; a abundância e a miséria; as recompensas e os castigos. Explicavam, também, o sublime mistério da criação afirmando que, a princípio, exitira apenas o nada: uma ausência que fervilhara em bolhas de coisa alguma. Fora a não existência, o Caos. Entretando, por esse vazio primordial, sem começo nem fim, correra uma energia rudimentar, uma força geratriz que, de repente, fizera surgir Geia, a Mãe Terra, e Tártaro, as Profundezas. Logo apareceram Érebro, a Escuridão, e Nix, a Noite. Desta nasceram Éter, o Ar, e Hemera, o Dia. Da poderosa Mãe Terra brotaram Urano, o Céu, e Pontos, o Mar. O Universo nascera.
Imediatamente após o surgimento do Cosmo, a Terra e o Céu se uniram, ferando doze divindades belas e fortes, os titãs ( Oceano, Ceos, Crio, Hiperião, Japeto e Crono ) e as titânidas ( Teia, Reia, Têmis, Mnemósina, Febe e Tétis ). Os dois ainda geraram os cicloples ( Arfes, Estérope e Brontes ), gigantes com um olho só no meio da testa, senhores do fogo e criadores dos relâmpagos e dos trovões. Também fizeram nascer os hecatônquiros ( Coto, Briareu e Gias ), monstruosas criaturas com cem braços, fortes o bastante para mover montanhas e fazer tremer o chão. Dos titãs, dos ciclopes e dos hecatônquiros surgiram outros seres, e todos eles, juntos, povoaram o vazio que existira antes. Gigantescos e terríveis, os filhos da Terra e do Céu personificavam as forças elementares, selvagens e indomadas que se rebelavam contra a natureza nascente.
Terminada a criação, a Mãe Terra perdeu parte de seu poder e importância, não mais reinando acima de todos; seu lugar foi ocupado pelo céu imenso que tudo aninhava. Era ele, Urano, quem então governava o mundo, os outros deuses e tudo mais que existia. Seu poder não tinha limites, e sua cólera podia ser incomensurável. Certa vez, enfurecido com titãs e os hecatônquiros, lançou-os para a escuridão do Tártaro. Ao ver seus filhos aprisionados em suas entranhas, a Mãe Terra entristeceu e, inconformada, incitou-os a se revoltarem contra o pai. O mais moço dos titãs, Crono, tomou para si a incumbência de dominar e destruir o irascível Urano. Auxiliado por seus irmãos ciclópicos, o filho destronou o pai e tornou-se o senhor absoluto dos Universo, o deus supremo da primeira geração de divindades helênicas.
No momento exato de sua destruição, Urano disse ao filho que o golpeava com uma foice: "Eu o amaldiçoo a ser destruído por seus filhos. Eles me vingarão!" Para evitar que a terrível imprecação de Urano se cumprisse, Crono engolia seus filhos assim que acabavam de nascer. Porém, o mais moço deles - Zeus - sobreviveu, graças a um ardil de sua mãe e, enraivecido, jurou vingança contra o idoso pai. Como desforra, ele se aproximou de Crono e, sem revelar o parentesco, deu-lhe de beber uma poção que o fez regurgitar todos os filho engolidos: Hades, Posídon, Deméter, Hera e Héstia. Juntos, os irmãos destronaram o grande deus e dividiram entre si os seus dominios, iniciando a segunda geração de divindades helênicas e tornando-se os deuses do Olimpo que, por muito tempo, invendiaram a imaginação do homem. E eles geraram heróis e monstros. Os mortais os veneravam acima de qualquer coisa e humildemente esperavam os seus favores.
Assim é a mitologia grega; assim é esta história.
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Entre Deuses e Monstros
RandomEste livro retoma o velho tema, sempre novo, costurando, com uma narrativa aparentemente casual e despretensiosa, alguns dos mais belos mitos gregos.