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   Cimene interrompeu:

- Ouvi contar que, após ter cometido esse assassinato horrendo, ela desapareceu, escondendo-se em algum canto da Terra.

- É verdade, mulher! Medeia fugiu pelos ares em seu carro negro e não foi vista desde então. O que está fazendo aqui?

Os meninos queriam saber mais sobre a terrível princesa, mas Hípias os convenceu de que aquele não era o momento.

- A história de Medeia é repleta de aventuras, paixão e crimes. É preciso tempo para conta-la, e isto é tudo o que não possuímos agora. Antes de qualquer outra coisa, temos que descobrir o que trouxe essas abominações aqui. Este encontro é estranho! É muito estranho!

Laio arriscou um comentário.

- Pã é muito feio. Até conhece-lo eu achava que Hefesto fosse o deus mais feio do Olimpo.

- E é! – concordou Hípias. – Pã não é um olímpico. Os belos deuses o rejeitaram por causa de sua aparência animalesca, e ele foi obrigado a viver na Terra. Anda pelas colinas e floresta perseguindo virgens e ninfas. Primeiro, ele as atrai com sua música sublime e, depois, as ataca. É uma divindade terrivelmente maliciosa, além de furtiva e egoísta. Não admira que esteja junto com górgona e com a feiticeira da Cólquida.

- Hípias – gemeu Cimene - , e se estas criaturas ainda estiverem por aqui? Nós simplesmente não podemos ficar à mercê de monstros e de feiticeiras. Temos que pensar em Agenor. Como vamos nos proteger de seres tão poderosos? Nós, pobres mortais a quem ninguém dá importância!

- Nós temos os deuses, mulher!

- Afrodite?

- Quem mais? Nós a cultuamos e sempre sacrificamos em sua honra. Amanhã é sexta-feira, dia que lhe é consagrado, e, quando o Carro do Sol mostrar a hora que lhe é propícia, eu a invocarei como jamais um ser humano se dirigiu a um imortal. Ela nos atenderá.

Tranquilizados com a certeza da ajuda divina, eles se deitaram sobre as peles curtidas e adormeceram.

O ESPLENDOR DE AFRODITE CHEGA AO AUGE quando Hélios está, exatamente, na metade do céu. Hípias sabia que esse era o momento mais indicado para homenageá-la e implodir ajuda. Ela não desdenharia um altar enfeitado em sua honra, nem o sacrifício sangrento de um animal de seu agrado, nem as emanações da essência de que mais gostava. Que mulher desprezaria tanta atenção?

Quando as sombras no chão estavam quase a indicar o momento da passagem do Carro do Sol pelo meio do céu, Hípias começou os preparativos para o cerimonial sagrado, no altar de pedra ao lado do poço perto da casa.

- Cimene, traga nossas túnicas rituais e as coroas de murta! Agenor, apanhe o cântaro com a água purificada! Rápido, que a hora de Afrodite se aproxima! Eu mesmo trarei o varrão.

Hípias amarrou no pescoço da vítima uma fita na cor preferida da deusa. Como chefe daquela casa, cabia-lhe degolar o animal, ato que sempre fazia serenamente, sem piedade ou repulsa. Para aquela ocasião, escolhera o mais perfeito de seus varrões, macho gordo e sadio; uma oferenda digna da grande divindade. Na hora determinada, ele purificou as mãos para não macular o animal e colocou a assustada vítima sobre a pedra sacrifical. Imolou-a com uma longa e afiada lâmina de obsidiana, dizendo: "Esta morte é para glória e honra da mais bela deusa do Olimpo." Depois, ordenou à mulher que enfeitasse o corpo degolado com as coroas de murta e, finalmente, cobriu os despojos com as brasas que ardiam ao lado do altar. Exausto de emoção, Hípias lavou as mãos ensanguentadas e ergueu os braços saudando Afrodite: "Divindade esplendorosa, este humilde mortal necessita, mais uma vez, da sua proteção. Seja benevolente e ensine-me o que fazer neste momento de incerteza. Sou e serei, para sempre, um fiel adorador dos seus encantos!".

Entre Deuses e MonstrosOnde histórias criam vida. Descubra agora