Uma multidão se acotovelava num grande espaço em forma de círculo, em frente a dois edifícios. Hípias, Cimene e Agenor se aproximaram, abrindo caminho com dificuldade. Avançaram um bom pedaço e pararam próximos às primeiras fileiras de adoradores. Dali, conseguiram uma visão bem razoável do altar de Apolo e da trípode da sacerdotisa. Ao lado desta, havia uma abertura no chão, de onde subia uma fumaça de cheiro levemente acre. Por trás dos templos, erguia-se um paredão de rocha cinzenta. Na fachada da maior das construções havia uma fileira de pequenos traços retos e curvos. Hípias não sabia o que significavam, porém, se soubesse ler, entenderia a mensagem de Apolo: "Conhece-te a ti mesmo." Aquele era o conselho do deus para os seus milhares de adoradores. Agenor perguntou para que servia o alto banco de três pernas, e Hípias explicou que a trípode era para a Pítia: ela se sentaria e falaria pelo Senhor dos Varicínios.
Estar ali era fascinante. Delfos era o centro do mundo, o lugar onde se tinham encontrado as duas águias que Zeus enviara de cada uma das extremidades da Terra. Depois de terem voado por dias e dias, elas se haviam juntado exatamente sobre o monte Parnaso. Estar no umbigo do mundo, no dia preciso em que a Grande Sacerdotisa se pronunciava, era ainda mais fascinante. Não poderia haver maior prova de que Afrodite os olhava de perto.
Um súbito clamor brotou de todas as gargantas. Um grito uníssono de admiração e respeito.
- Vejam – exclamou Cimene, emocionada -, ali vem ela!
O cortejo deixara um dos templos e seguia para o coração do pátio, para o centro vazio onde estava o altar. Uma esplêndida figura de mulher, alta e magra, cabelos louros presos em coque, rosto lindíssimo, caminhava altiva e sem qualquer comoção aparente. Era escoltada por um séquito de velhos homens vestidos com longas túnicas brancas. O povo se inclinava à passagem do cortejo, saudando reverentemente aquela que falava por Apolo.
Apesar do dia claro e sem nuvens, havia no ar a mesma espécie de eletricidade que prenuncia as grandes tempestades. A atmosfera pesava, impregnada de misticismo. Respeito, temos e devoção eram os ingredientes daquele momento mágico que os sussurros adensavam. Alguns na multidão gemiam e choravam, outros tremiam, todos eles subjugados por um fervor exacerbado. Corpos suavam na vibração da expectativa, e mãos se levantavam em saudação frenética. Os mais suscetíveis caíam por terra, tomados de um furor angustiado.
A sacerdotisa se dirigiu para a trípode e sentou-se. A multidão conscientizou-se do momento. Choros, gemidos e murmúrios cessaram. O silêncio tomou o espetáculo ainda mais impressionante. A Pítia levou ambas as mãos à testa prenunciando o instante em que ela e o deus seriam um só. A fumaça sulfurosa que brotava da abertura a seus pés espessou-se e escondeu-a por completo. Os acólitos aguardavam ao fundo, inexpressivos e pacientes como sentinelas. Sua hora também chegaria. Aos poucos, o fumo esverdeado que escondera a sacerdotisa adelgaçou-se até se transformar num fio claro, e ela ressurgiu em total magnificência.
- Apolo Olímpico, nós o reverenciamos! Salve, Apolo Pítio! Honras e glórias ao que fere de longe e conhece os segredos das Moiras! Oh, Grande Filho de Zeus! – disse, enquanto erguia os braços, espalmando as mãos. – Favoreça-nos com os seus conselhos! Meus lábios são os seus, e minha voz é a sua!
Todos ouviram, paralisados, as palavras encantatórias da Pitonisa. A simbiose fora feita: dali em diante, ele seria Apolo, o deus das profecias.
Hípias sentiu uma enorme emoção. Era um privilégio estar ali.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Entre Deuses e Monstros
De TodoEste livro retoma o velho tema, sempre novo, costurando, com uma narrativa aparentemente casual e despretensiosa, alguns dos mais belos mitos gregos.