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   OS DEUSES HELÊNICOS GOVERNARAM a existência dos homens. Eles eram a raiz da vida e a essência do existir, personificavam as maravilhas do mundo e detinham os segredos incompreensíveis do universo.

Tinham qualidades e imperfeições. Possuíam poderes ilimitados que usavam ora a favor, ora contra a humanidade, a quem puniam com castigos inimagináveis. Com deidades de tal natureza, era lógico que os mortais vivessem e morressem reverenciando e temendo Zeus e o panteão olímpico formado por Hades, Posídon, Demeter, Héstia, Afrodite, Atena e Hera, todos – com exceção de Afrodite e de Atena – irmãos do grande Zeus, sendo que Hera era também sua mulher. Os humanos veneravam a beleza ímpar dos deuses, sua magnificência, seus conhecimentos infinitos, seus maravilhosos atributos e, sobretudo, sua imortalidade. Temiam seus arrebatamentos, pois, apesar de grandiosas, as divindades eram também mesquinhas, volúveis, irascíveis, enganadoras e mentirosas.

A prole divina do Senhor do Olimpo é poderosa. Na montanha sagrada, além de Artemisa e Apolo, há seus dois filhos com Hera, Hefesto e Ares, e, ainda, Atena, a filha nascida de suas meninges. O deus ferreiro, marido de Afrodite – feio, coxo e corcunda -, é quem fabrica os belos objetos pertencentes aos deuses. Ares é o belicoso e sanguinário deus da guerra, de voz trovejante, desprezado e temido por seus pares. Atena é a deusa da sabedoria, divindade amiga dos mortais a quem ajudava; grave e sábia, é o árbitro das disputas no Olimpo. Ela teve um nascimento inusitado: Zeus sentiu uma insuportável dor de cabeça e pediu a Hefesto que lhe abrisse o crânio com um machado para minorar o seu sofrimento. O deus ferreiro obedeceu e da cabeça aberta saiu uma belíssima jovem com capacete, couraça, lança e escudo de ouro, que logo se tornou a filha preferida de Zeus. O oráculo de delfos vaticinou-lhe um futuro de glórias, e os homens honraram a deusa virgem com uma infinidade de templos. Além do dom da sabedoria, ela presidia os combates justos, o artesanato, a vida das cidades, a agricultura, a justiça e a razão. Ensinou os mortais a fiar, a tecer e a arar a terra. Deu-lhes ferramentas, a roda, a rédea dos cavalos, o machado e as velas dos barcos. Era uma deusa perfeita, salvo por uma fraqueza: ter ciúme dos seus dotes e habilidades; e foi por despeito que castigou, de forma abominável, uma jovem tecelã de nome Aracne, que ousou de ser habilidosa do que ela no manejo do tear. O terrível episódio foi causado por uma frase dia por Aracne ao terminar de bordar uma bela tapeçaria retratando Artemisa e Afrodite. Os pontos eram tão perfeitos e as cores tão belas que as duas divindades pareciam estar vivas na tela. Aracne disse: "Nem mesmo Atena faria um trabalho igual!" A deusa ouviu a ofensa, desceu à Terra e procurou a imprudente mortal. "Mostre-me a sua tapeçaria!", ordenou. Como o bordado era realmente deslumbrante, Atena ficou irritada e rasgou-o em mil pedaços. Sentindo-se infeliz e sem saber que outra coisa fazer, a jovem enforcou-se numa oliveira, a árvore preferida da deusa. Chocada com aquela reação inesperada e possivelmente atormentada por ter perdido o seu senso de justiça, a filha de Zeus encostou sua mão no corpo sem vida e murmurou: "Continuarás a tecer e farás trabalhos bem mais delicados do que o que causou esta desgraça!" Ao contato daqueles dedos excelsos, o corpo morto reviveu, metamorfoseado num animalzinho que logo começou a tecer. A aranha – pois que não era outra coisa – foi diligentemente criando uma fina trama de beleza extraordinária que se transformou na primeira teia criada na Terra. Consolada pela maravilhosa criação, Atena voltou ao Olimpo, guardando sempre no olhar uma certa melancolia por aquele ato injusto.

HÍPIAS NÃO SABIA dessas inquietações divinas. Pensava que só os homens conhecessem o remorso, a aflição e a angústia. Se imaginasse a verdade, talvez não se sentisse tão insignificante e inseguro. Talvez redimensionasse o Olimpo. Não era segredo que os seus moradores queimavam em ódios e paixões, mas nenhum mortal supunha que se permitissem sensações de desconforto. Esperava-se que, além de pairarem acima do Bem e do Mal, desconhecessem as agonias que ferem os humanos na Terra. Para estes, aqueles eram a essência de todas as coisas, e sem a sua existência só haveria o vazio do Caos. Por que iria Hípias discordar? Todos os mortais precisavam de proteção sagrada e, por isso, ele reverenciava a bela Afrodite, a divindade do amor e do riso, a mais tentadora e fascinante deusa do Olimpo que surgira da espuma branca do mar numa concha de madrepérola. A deusa desnuda de talhe perfeito, com um cinturão mágico de irresistível poder sedutor, fazia de seu corpo a recompensa suprema e de seus braços um alívio para todas as amarguras. A deidade por quem todos se apaixonavam e que velava amorosamente por seus adoradores, presenteando-os com a capacidade de atrair e de ser atraído, de dar e de receber a afeição maior. Hípias sabia que era ela quem iluminava a sua existência e guiava os seus passos, protegendo-o das iras humanas e divinas. Ele desconhecia que a amorosa Afrodite seria o sanguinário combustível que faria explodir uma terrível guerra nascida do desejo de vingança. Guerra que envolveria toda a Hélade, ceifando a vida de muitos heróis e reis, e que abarcaria o Olimpo, acirrando a rivalidade entre os deuses. Mas isso fazia parte do futuro.

Naquele momento, a linda divindade estava totalmente entretida com uma certa família que voltava de Delfos e nem pensava numa cidade chamada Troia.

- Hípias – implorou Cimene -, faça alguma coisa! Já estamos quase chegando em casa e ainda não deciframos o que disse Apolo. A Medeia e a Medusa podem estar à nossa espera!... Que faremos, então? Peça ajuda a Afrodite.

O pastor olhou em volta desanimado.

- De que jeito, mulher? Em assunto tão sério, ela exige sacrifícios sangrentos: uma lebre, um bode ou um varrão. Não há qualquer um deles por aqui! Não posso implorar a sua ajuda sem lhe dar o que ela mais gosta.

Cimene começou a chorar, por amor aos seus.

Talvez condoída daquelas lágrimas copiosas ou envaidecida por tamanha reverência, a deusa resolveu agir e fez surgir, logo adiante, uma romãzeira, árvore que Zeus lhe dedicara. O pastor veria a árvore, comeria m fruto e desvendaria o enigma do vaticínio de Apolo.

- Vejam que belas romãs! – exclamou Hípias. – Quem quer experimentar uma delas?

O pastor mastigava, deliciado, a polpa madura, a mais saborosa que já provara. Acabada a fruta, ele se dirigiu a um riacho próximo para matar a estranha sede que dele se apossara. Abaixou-se para beber e viu as pequenas pedras redondas no fundo do rio. Levantou os olhos e viu as montanhas ao longe. Então, ele soube!

- Já sei! – gritou. – Já sei! Nós somos os seixos porque pequenos e insignificantes como eles. As altas montanhas são os poderosos. De repente, tudo ficou claro! "Seixos não devem cogitar das altas montanhas, pois que são inacessíveis e importantes demais para eles." O lugar dos seixos é no fundo dos rios e não nas montanhas. Apolo nos aconselhou a não nos preocuparmos com os poderosos, isto é, com os monstros. Eles não são nosso problema. Nós somos muito pequenos para que eles se importem. Não é a nós que eles querem: as abominações estão atrás de presas maiores do que a família de um simples pastor. Estamos salvos, Cimene! Monstros são da competência dos heróis. Eles que se preocupem!

Feliz, Cimene abraçou-se as Hípias, seu amor, seu amante.

No Olimpo, Afrodite sorriu. 

Entre Deuses e MonstrosOnde histórias criam vida. Descubra agora