Zeus riu-se das preferências daquela filha tão diferente das outras deusas olímpicas, mas atendeu-lhe o pedido. Pã escolheu os mais velozes cães criados em Esparta, e a própria Artemisa visitou rios e bosques, selecionando as ninfas que mais lhe agradavam.
Depois daqueles presentes, os filhos de Zeus viveram de forma bem diversa. Apolo percorria diariamente o céu na sua resplandecente carruagem dourada, enquanto Artemisa andava pelas colinas da Terra, caçando em companhia das belas criaturas que escolhera. Quando Nix tomava conta do mundo, Artemisa deixava suas companheiras e subia ao firmamento, conduzindo o seu carro de prata pela escuridão, tornando-se a imponente deusa dos clarões enluarados, a bela virgem de fabulosa beleza cuja visão encantava todos os mortais.
Um dia, Apolo teve notícias de que a pavorosa serpente que atormentara sua mãe estava a dormir ao sol, numa encosta do monte Parnaso. Procurou-a e flechou-a na cabeça. Porém, mesmo ferida, a terrível Píton fugiu para Delfos, onde o deus finalmente a matou. Para comemorar o grande feito, Apolo fez construir, no local, um magnífico templo e, sendo a divindade os vaticínios, usou-o para se comunicar com os mortais que necessitassem dos seus conselhos e profecias. Apesar de ser uma divindade de muito prestígio e um dos favoritos de Zeus, certa vez incorreu na ira do pai e foi condenado a padecer no Tártaro entre as almas condenadas. Tudo por causa de seu filho Asclépio, um jovem bom e estudioso que herdara os seus dons curativos e que usava desses conhecimentos para salvar muitos homens da morte. Hades queixou-se a Zeus, dizendo-se roubado de almas cujos corpos muito doentes praticamente já lhe pertenciam. Para agradar o irmão, o Senhor do Olimpo fulminou Asclépio com um raio. Apolo revoltou-se e, para vingar essa morte imerecida, foi às forjas de Hefesto e matou os ciclopes que fabricavam as armas de seu pai, ironicamente, usando das flechas feitas por aqueles mesmos gigantes. Enfurecido, Zeus exilou-o para o Mundo Inferior, a fim de que expiasse a sua culpa, mas Leto interferiu, e o deus acabou por perdoá-lo ao final de um ano. A vida em meio às aflições daquele lugar de dores infinitas amadureceu o irrequieto Apolo, aumentando-lhe o saber e a tolerância, tornando-o, dali em diante, uma divindade bem mais pacífica.
Artemisa jamais passou por uma experiência semelhante e continuou eternamente irrequieta, amando as turbulências das caçadas e liderando, inflamada, os cantos e as danças nos bosques da Terra, sempre em companhia de suas ninfas. Ao contrário de Apolo, a fogosa virgem não tinha oráculo, pois não gostava de dar ou de receber conselhos. Cumpria rigorosamente o voto de castidade que fizera e exigia que as companheiras fossem tão castas quanto ela. As belas mulheres de seu séquito a obedeciam e adoravam a ponto de – para não deixa-la sozinha um minuto sequer – correr ao lado de seu carro, rápidas feito gazelas.
A deusa era uma divindade extremamente orgulhosa e altiva, muito rígida em seus princípios, cruel e vingativa sempre que se sentia ultrajada. Nesses momentos, ela engendrava os mais terríveis castigos para punir quem a ofendera. Certa vez, a ninfa de quem mais gostava envolveu-se amorosamente com Zeus e dele esperava um filho. Furiosa com a deslealdade da preferida, a deusa da caça transformou-a num imenso urso e ordenou aos seus ferozes cães que o fizessem em pedaços. Zeus, atento ao que se passava, imediatamente impediu aquela morte, transformando o pobre animal na constelação da Ursa Maior. Artemisa, encolerizada, devastou rebanhos, destruiu colheitas e semeou epidemias. Os homens passaram a temê-la, certos de que ela podia incorporar Hécate, a divindade da magia e das assombrações, a Senhora da Lua, a dona dos mistérios que povoam a escuridão de Nix, a feiticeira que auxiliaria Orfeu.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Entre Deuses e Monstros
AcakEste livro retoma o velho tema, sempre novo, costurando, com uma narrativa aparentemente casual e despretensiosa, alguns dos mais belos mitos gregos.