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   Uma vez na praça inimiga, Teseu seguiu fielmente as instruções de sua amada. Tal como a doce Ariadne afirmara, a bola de seda correu pelos corredores passando por caminhos que pareciam sem saída, atravessando encruzilhadas, entrando e saindo de salas, subindo e descendo sem jamais hesitar sobre que direção escolher. À medida que o novelo diminuía, o ar se tornava mais e mais pestilento, contaminado pelo cheiro nauseante do sangue infiltrado no solo. De repente o fio acabou. Teseu compreendeu que havia encontrado o centro do Labirinto, o covil do monstro. Levantando os olhos, viu o bosque do Minotauro. Resoluto, esquadrinhou o lugar, procurando o protegido de Posídon. Seria um erro fatal se deixar surpreender pelo homem-touro. Infelizmente, o arvoredo era compacto, dificultando-lhe a visão. E, então, ele sentiu um bafo fétido, um resfolegar pesado que, de tão intenso, fazia balançar as folhas de uma árvore próxima. Era o Minotauro. O herói preparou-se para a investida que viria. Dito e feito: o monstro irrompeu à sua frente num tropel alucinado. O príncipe de Atenas mal acreditou que o ser apavorante saído do bosque fosse real. Seu corpo de homem era escuro e peludo, feito apenas de músculos extraordinariamente desenvolvidos, e sua cabeça taurina era imensa, com chifres desmesurados e aguçados como lâminas. Era, de longe, o mais desafiador dos perigos que já vira, a mais repulsiva criação do Senhor dos Mares e, sem dúvida, a mais destrutiva. Ali estava um dos maiores flagelos de seu tempo, um flagelo que se tornaria sua glória e sua lenda.

Os oponentes se encararam com pupilas desvairadas. As mandíbulas do monstro se abriam e fechavam num mastigar antecipado. Ele espumava. Os braços de Teseu, esticados à frente, ficaram em posição de ataque. Ele grunhia.

O Minotauro investiu galopando. Ia de cabeça baixa para estripar mais aquela vítima usando seus chifres descomunais. O príncipe esquivou-se do golpe e, lembrando-se da recomendação de Dédalo, pendurou-se no pescoço do flagelo de Creta. O monstro usou de toda a sua força para desalojar o importuno, mas Teseu permaneceu firme. O Minotauro tentou puxá-lo com suas mãos enormes. Em vão! O herói parecia um molusco agarrado às pedras. Tirando uma das mãos do pescoço do homem-touro, Teseu cerrou-a em torno de um dos chifres, torcendo-o para um lado e para o outro. Um estalo, igual ao de um galho que se parte, indicou que o corno do monstro havia saltado do osso. O Minotauro estremeceu, compreendendo o que acontecera. Usando de toda a sua força, Teseu arrancou o chifre e o brandiu no ar como um troféu.

Um jato de sangue escuro, grosso e malcheiroso esguichou do crânio aberto. O Minotauro rugiu de dor e de raiva. Nem derradeiro ímpeto, o homem-touro tentou esganar quem o matava, mas sua energia já não era a mesma. Aproveitando-se da incredulidade da criatura ante a morte inesperada, Teseu empunhou o enorme chifre como se fosse uma espada letal e o enfiou no alto da cabeça do monstro ensandecido, até encostar sua mão na testa peluda e áspera. As pernas do Minotauro fraquejaram, e ele tombou morto.

O vitorioso herói chutou o corpo sem vida e o furou no peito. Depois, abandonou a arena e percorreu a toda velocidade os corredores do Labirinto, seguindo o fio de Ariadne lhe dera. Só parou quando cruzou a porta que levava à praça. Viu desgostoso que a esplanada estava deserta. Não havia plateia para saudá-lo. Só a princesa se lançou em seus braços. De mãos dadas, o casal correu até o palácio real, recolheu os jovens atenienses e fugiu despercebido na escuridão trazida por Nix.

A trirreme ateniense singrou triunfante de volta à pátria, mas, por vontade das Moiras, Teseu aportou na ilha de Naxos e lá, inexplicavelmente, traiu sua doce amada, abandonando-a e levantando âncora enquanto ela dormia. Talvez o remorso de tal vilania o tenha atormentado, fazendo-o esquecer-se de trocar, pela vela branca, a vela preta erguida no mastro, e o rei, seu pai, ao ver aproximar-se do cais o pano negro adejando ao vento, gritou agoniado pela dor da morte de seu filho e, desesperado, atirou-se ao mar.

Teseu foi feito rei e batizou as águas onde seu pai se afogara de Egeu, mar Egeu.

A primeira coisa que ordenou ao se sentar no trono foi:

- Mensageiros, procurem, na Tessália, por um pastor chamado Hípias e tragam-no à minha presença.

Entre Deuses e MonstrosOnde histórias criam vida. Descubra agora