UMA CERTA CAVERNA

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Orfeu a procura do Inferno

Orfeu estava resolvido a reaver sua mulher a qualquer preço, mesmo que isso significasse atrair a cólera de Hades, o Invisível. Sem o auxílio, dos deuses – Afrodite não ouvira a súplica de Hípias, por estar entretida numa contenda com Eos - , o príncipe ficara entregue a si próprio e contava somente com sua determinação e coragem.

Sendo apenas um homem e, portanto, mortal, ele temia os mistérios do Inferno, mas seu grande amor por Eurídice incutia-lhe a certeza de que venceria todos os obstáculos existentes no mundo das almas e conseguiria resgatar seu amor das garras da morte. Em seu coração, ela continuava viva, presente em todos os seus pensamentos, e ele como que ouvia suas súplicas para que a fosse buscar. Talvez as Moiras tivessem cometido um engano, e a fatídica serpente estivesse à espreita de outra pessoa. Talvez, nesse caso, o poderoso Senhor dos Mortos deixasse partir quem estava indevidamente em seu reino. Talvez o coração feminino da Rainha do Inferno se enternecesse com aquele amor tão grande e intercedesse em seu favor. Eram tantas as possibilidades!... Ele, o príncipe que apaziguava os elementos da natureza em fúria, que enfeitiçava animais e plantas, que seduzia até mesmo os deuses com a beleza de sua música, ele descobriria um meio de livrar sua mulher do Mundo das Sombras. Ela talvez não estivesse perdida para sempre. Mas, assim mesmo, seu coração pesava de tristeza. Ele sofria tanto quanto o acorrentado Prometeu. Nenhum abutre lhe devorava o fígado, mas uma dor pungente o roía por dentro, e seu peito estalava de dor. O sofrimento o carcomia, esvaziando-o de tudo, menos da esperança. Era-lhe impossível viver longe dos braços de Eurídice, dos seus lábios macios, da sua entrega total. Se Eros, o filho de Afrodite, os atingira com suas flechas que carregavam as sementes da paixão e fizera desabrochar aquele sentimento abrasador, era porque estavam destinados a arder de amor um pelo outro. Aquela morte não tinha sentido: fora prematura e extremamente cruel. Era inaceitável! Só o que precisava era encontrar um dos quatro caminhos que levavam ao Mundo Inferior e interceder junto a Hades.

A PAIXÃO NÃO VÊ LIMITES, percalços, dificuldades; justifica loucuras, procura barganhas; explica todos os extremos. Portanto, é compreensível que Orfeu tivesse a ousadia de querer se defrontar com o poderoso Hades. Como qualquer mortal, ele sabia da existência de quatro misteriosas cavernas de onde partiam as estradas sem retorno que levavam ao Reino Inferior. Infelizmente, ainda não descobrira qualquer uma delas, e foi por um simples acaso que ele encontrou o que tanto procurava. Aconteceu assim: num fim de tarde, esgotado e faminto, subiu por um aclive para examinar minuciosamente o vale que se estendia abaixo. Pisou numa pedra solta, escorregou e rolou pela encosta. A queda foi amortecida por uma espessa ramagem que, sem dúvida, o salvou de uma tragédia. Tonto com o impacto, estirado na relva, rasgado e esfolado, ele viu aquilo que não teria vista se não houvesse caído lá de cima: a boca do que parecia ser uma gruta. Ela estivera oculta justamente pelos arbustos quebrados com o seu tombo. Encheu-se de alegria: ali estava uma possibilidade a investigar. A motivação curou-o na mesma hora, e ele se levantou cheio de disposição.

Entre Deuses e MonstrosOnde histórias criam vida. Descubra agora