A curiosidade de Hípias deu lugar a um sentimento de angústia. A descrição da mulher de negro causou-lhe um estranho arrepio.
- Havia mais alguém na clareira? – perguntou ele, aflito.
- Uma outra mulher, grande e forte – respondeu Laio. – Não pudemos ver o rosto, porque ela estava de costas, mas vimos que tinha pequenas asas douradas, mãos que não pareciam humanas e cabelos que se agitavam como os ramos das árvores quando sopra a ventania. Ela conversara com o homem-bode e com a mulher de negro.
Hípias sentiu suas entranhas estremecerem com a certeza assustadora: a mulher de asas era a górgona Medusa, o monstro de mãos de bronze que infundia o terror mais absoluto. Os cabelos esvoaçantes nada mais eram que víboras peçonhentas, e o silvo que os meninos tinham ouvido era o assobio daquelas serpentes. Que motivos tinha a górgona para estar tão longe da gruta onde morava? Por que razão se juntara à Pã e à mulher de negro? E quem seria esta última? Ele se controlou para não assustar as crianças e perguntou numa voz baixa:
- Vocês conseguiram ouvir o que eles diziam?
- Sim! – gritaram os dois meninos.
- A mulher dos cabelos que se mexiam chamou a outra de Medeia e perguntou-lhe por um tal de Jasão.
Cimene, que se mativera calada até então, exclamou agoniada:
- A feiticeira da Cólquida!
Agenor e Laio estremeceram ao ouvirem a palavra "feiticeira".
Um medo terrível inundou o coração de Hípias, e seu corpo cobriu-se de um suor pegajoso. Ele pigarreou tentando recuperar o controle e disse pausadamente:
- Prestem muita atenção! As três criaturas que estão na clareira são terríveis e não há notícias de que se tenham reunido antes. Este encontro é sinal de que algo tenebroso está para acontecer. Elas devem estar tramando alguma coisa. O homem peludo é Pã, o filho do deus Hermes. Ele é a divindade da vida selvagem, das florestas e dos campos; às vezes é bom, como quando vela pelos rebanhos, às vezes é mau e ataca todas as mulheres e ninfas que encontra. A mulher de asa é a Medusa, um monstro cujo olhar petrifica os humanos, transformando-os em rochas. É invencível. A que veste preto é Medeia, uma princesa cruel e vingativa que conhece, como ninguém, a arte da magia e dos esconjuros. As duas são a encarnação do Mal absoluto. As dançarinas dever ser as ninfas que se deixam atrair pela música de Pã. Elas não molestam os mortais, mas todo cuidado é pouco. É estranho que as ninfas estejam em companhia dessas perversidades. É muito estranho!
Agenor e Laio compreenderam os riscos que haviam corrido, mas a curiosidade infantil falou mais forte.
- Qual das duas mulheres é a mais perigosa? – perguntou o jovem empregado.
Hípias ficou indeciso.
- É difícil responder. Medeia, mesmo sendo tão linda, é uma mulher impiedosa que usa os seus grandes poderes de forma impiedosa. Destrói quem se opõe aos seus planos. Matou o irmão para defender um herói por quem estava perdidamente apaixonada, mas seu pior crime foi contra o seu próprio sangue. É uma mulher maldita, e atravessar seu caminho é atrair seu ódio feroz.
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Entre Deuses e Monstros
DiversosEste livro retoma o velho tema, sempre novo, costurando, com uma narrativa aparentemente casual e despretensiosa, alguns dos mais belos mitos gregos.