HÍPIAS VAI A DELFOS

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   Quem primeiro percebeu a volta de Hípias foi seu filho Agenor, que pastoreava o rebanho de cabras na colina por trás da casa. Deram-se um abraço apertado e saudoso. O homem ficou satisfeito: o sorriso do menino indicava que tudo estava tranquilo. Naqueles tempos nunca se podia ter certeza. Ele colocou o filho nos ombros e foram juntos surpreender Cimene. À alegria da saudade pacificada pela reunião familiar misturou-se, no peito do pastor, uma pontada de tristeza pela lembrança da solidão e da angústia de Orfeu, mas, infelizmente, nada havia que alguém pudesse fazer, pois mortal algum pertencia aos deuses, e a sina do poeta já fora decidida. As divindades davam ou tiravam quando bem estendiam, e ele, Hípias, tinha que agradecer a sorte benfazeja que elas lhe haviam destinado. Devia mostrar-lhes sua gratidão pelo regresso seguro e pela concórdia que reinava em sua casa, incensando o panteão olímpico e sacrificando à Afrodite.

Para homenageá-la, imolou uma pomba – ave que a deidade mais apreciava – e crestou-a junto ao altar dos sacrifícios, acompanhando com os olhos a fumaça que subia ao encontro da deusa. Depois, para venerar Zeus, queimou folhas de carvalho, a árvore favorita do Senhor dos Raios.

Terminados os rituais, Hípias, Cimene, Agenor e Laio - o menino pastor que guardava o rebanho – cearam pão e percas assadas em folhas de figo. Dentro de instantes, o Carro do Sol desapareceria junto à morada de Zéfiro, e Nix cobriria a Terra com seu manto escuro. Era hora de se aconchegar junto ao braseiro. Laio começou a soprar sua flauta de bambu.

- Onde aprendeu esta música? – perguntou-lhe Hípias. - É a mais harmoniosa que já ouvi.

Os meninos trocaram olhares cúmplices. Hípias insistiu:

- Vamos, Laio, quem lhe ensinou esta música?

O pequeno pastou respondeu ressabiado:

- Não se aflija! Nada de mau aconteceu. Ontem, pouco antes de escurecer, Agenor e eu fomos até a orla do bosque. Ouvimos uma melodia maravilhosa, uma flauta que soava cristalina. Alguém tocava feito um deus. Paramos para escutar, encantados com a limpidez das notas e com a beleza da harmonia. De tão enlevados, não nos ocorreu voltar para casa. Depois de algum tempo, um silvo extraordinariamente agudo se misturou às notas primorosas. O som sibilante cresceu de intensidade e tornou-se incrivelmente agressivo. Ficamos curiosos e resolvemos investigar. Pé ante pé, nos dirigimos para o local de onde a música provinha. Era da clareira que fica por trás dos loureiros. Para nossa grande surpresa, o flautista que tocava a canção que você acabou de ouvir era uma criatura estranha, um homem peludo com pernas de bode. Ele tinha cabelos encaracolados e pequenos chifres dourados.

O coração de Hípias saltou-lhe no peito. Pela descrição, a criatura era Pã, o deus selvagem.

Agenor interrompeu o relato do amigo.

- O homem-bode tinha barbicha e ria para as mulheres que o acompanhavam.

- Que mulheres? – Hípias estava cada vez mais surpreso.

Laio explicou:

- Sete lindas moças que dançavam de mãos dadas, girando sem parar. Pareciam gostar muito da música que o homem-bode tocava.

- Ninfas! – murmurou Hípias estarrecido.

Realmente, as crianças haviam visto Pã e sua corte de ninfas. O que estaria o grupo fazendo ali, na sua clareira? Um pressentimento funesto assaltou-o, e ele perguntou aflito:

- Havia alguém mais?

Os meninos se entreolharam temerosos. Agenor cutucou o companheiro.

- Conte logo, Agenor!

- Bem, havia uma mulher de olhos fascinantes e sorriso sinistro. Bonita e terrível ao mesmo tempo. Era alta e magra, tal qual as deusas do Olimpo, e vestia uma túnica negra de mangas compridas. Sua roupa esvoaçava, mas não havia vento algum. Ela parecia muito inquieta e olhava ao redor como se estivesse procurando alguma coisa.

Entre Deuses e MonstrosOnde histórias criam vida. Descubra agora