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Três meses depois....

Acordo e ouço um choro distante.
Olho ao redor e tudo  tem um certo ar de familiaridade mas as peças não se encaixam.

__Lucynda? Você precisa sair dessa cama.

__ Amélia?

__ É menina, levanta daí. Helena chega daqui a pouco.

Observo cada canto do quarto mas nada me vem a memória. Os móveis, alguns eu reconheço mas o quarto...não me lembro de dormir aqui antes.

__Sei que é difícil Lucynda, mas você tem que se reerguer. Você é mãe agora, tem que lutar e cuidar de seu filho.

Amélia sai e fecha a porta com delicada e um ar pesaroso no olhar.

Eu mãe? Quanto tempo eu dormi?

Caminho até a cômoda no canto do quarto e vejo um pequeno caderno, uma espécie de agenda abro e na primeira página um "Para Lucynda" está estampado em letras azuis.  Vários bilhetes datados com tarefas e lembretes estão distribuídos nas demais páginas.
Alguns com minha caligrafia outros ao que parece foi Helena quem escreveu, a maioria.

Ao lado está meu velho diário,pelo que me lembro faz bastante tempo que não escrevo nele.

Folio suas páginas e paro em uma:

"Hoje sinto como se uma cratera se formasse bem abaixo de meus pés.
Nada se compara a essa dor que invade minha alma, entra sem ao menos bater ou pedir licença.
Meu coração já não conhece mais felicidade. Se um dia ela habitou em mim, se foi juntamente com as pessoas a quem mais amei.
A traição também machuca!
E ela ultimamente me visitou, e é  claro não poderia ir embora sem me deixar alguns presentes.
Ficaram presentes em mim um vazio, lembranças dolorosas e profundas feridas que dificilmente irão cicatrizar.
Pois é a traição é bem generosa!  
Só Deus sabe o quanto eu sinto falta de vocês. " Meus pais ".
Aqueles que faziam com que me sentisse a garotinha mais forte do mundo. Hoje percebo que não sou e nunca fui forte. Sou fraca e sentimental, um dos motivos pelos quais estou sempre sujeita a sofrimentos constantes.
Mamãe e papai, vocês estarão eternamente vivos em meu coração."

As lágrimas rolam e eu viro a página. Um desenho, ou pelo menos uma tentativa de retratar Cameron estava estampada na página já meio amarelada.
Do outro lado duas frases fazem meu coração palpitar mais forte e se descompassar em uma fração de segundos.

"É difícil aceitar que não posso mais ver o brilho dos seus olhos ou ouvir sua risada que sempre me acalma"

As lágrimas pingam e se misturam as manchas que provavelmente são de outras lágrimas derramadas dia após dia.

Viro a página e lá está,um pequeno texto.

"Observar as estrelas hoje se tornou minha melhor forma de te ter aqui.
Sei o quanto elas te encantavam e talvez você tenha se tornado uma delas,a mais brilhante de todas"

E assim uma a uma as páginas são viradas e pouco a pouco o que restou da minha vida vai tomando forma diante de meus olhos.

Ouço o choro distante mais uma vez.

Meu filho.

Um pedaço de mim. Um presente deixado por Cameron...
Mas infelizmente não tenho forças o bastante para seguir em frente. Relembrar tudo o que passou é doloroso e essa é uma dor constante.
Ter que reviver tudo,todos os dias é pesado demais.

Me troco pego o diário, uma caneta e saio.

Está frio aqui fora mas de alguma forma é reconfortante.

Olho mais uma vez para a casa e sigo em frente. Não sei como mas inconscientemente meus pés sabem aonde ir.

Cerca de seiscentos metros ao que parece paro e observo a paisagem ao redor.
Um penhasco aparentemente infinito se estende a frente.

Quantas vezes eu teria vindo aqui?

Me sento a alguns metros da fenda e abro o diário.
Quem sabe não é aqui que eu escrevi todas essas coisas antes de voltar pra casa e esquecer tudo novamente?
Se foi aqui,por que eu não mencionei esse lugar antes?

Inicio mais uma página, a última página da minha vida.

"Sei que o que estou prestes a fazer é algo de pessoas fracas talvez até desumano,mas já não posso mais suportar essa dor.
Arrancaram tudo o que eu tinha, levaram o que havia de melhor em mim.
Peço perdão a Amélia, Helena, Ítalo e a você meu filho. Perdão por não ter coragem o bastante pra ficar e cuidar de você,perdão por desistir de vocês e de mim mesma...

O que sou hoje não passa da sombra de uma pessoa boa que viveu aqui a muitos anos atrás. As feridas do passado não se fecham por mais que vocês tentem curá_las e isso me destrói um pouco mais a cada dia. Cada dia uma nova dor, mais lembranças, mais sofrimento. Não existe nada além de dor aqui dentro,preciso fazer com que pare, preciso fazer com que essa dor cesse.
Cuidem_se por mamãe e papai, cuidem_se por Cameron,  Cuidem_se por mim."

Fecho o diário e o coloco afastado, talvez alguém o encontre e talvez algum dia eles sejam capazes de me perdoar.

Caminho para a beira e um vento frio toca minha pele. Talvez um aviso do perigo eminente, da loucura que estou prestes a fazer. Mas não estou com medo,não mais, não agora.

__ Você prometeu não me abandonar...
Disse que se eu caísse você estaria aqui para me segurar.
Espero que me segure...

Fecho os olhos e salto. As lembranças vem e em meio ao turbilhão de sentimentos ouço meu nome ser chamado segundos antes de atingir a água.
Não consigo ouvir nada além de um zumbido agudo. Uma imensidão azul invade minha visão e a água salgada penetra violentamente meus pulmões. Não luto contra, apenas deixo a água preencher os vazios e espero que pare, espero apenas que a dor cesse e que eu possa te ver uma vez mais...

                                            Fim .

Coração De Gelo (Concluída) Onde histórias criam vida. Descubra agora