Fiquei pensando em como sairia do meu quarto sem passar por Lexa, eu realmente não queria ter uma conversa agora, se é que conseguiríamos conversar civilizadamente.
Encarei o gramado pela janela do quarto e pensei quanto dano aquela queda poderia causar, então, destranquei a porta lentamente para que não fosse ouvida, calcei um tênis e comecei a sair pela janela. Apoiei meu pé no parapeito e lentamente soltei o peso do meu corpo me segurando só com as mãos, tudo parecia bem, no máximo cairia sentada e não teria grandes problemas... claro, se não fosse pelo Blake.
Assim que ele chegou o som da sua buzina alta me fez assustar, e, subitamente me soltei caindo totalmente despreparada. Ao olhar para cima encontrei os olhos de Lexa me encarando da janela com uma raiva nítida, andei rapidamente antes que ela pudesse dizer algo e me atirei no banco do passageiro com uma imensa dor no quadril, Bellamy sem pestanejar acelerou, tirando nós dois dali.
Um silêncio estranho pairou até que Bellamy começou a rir.
- O que foi? - Indaguei o encarando.
Seus dedos foram até meu cabelo tirando um pequeno pedaço de grama.
- Nunca ouviu falar em porta? - Ele me olhou rapidamente.
- Se eu não tivesse que enfrentar um furacão para usá-la, quem sabe... - Dei de ombros encostando minha cabeça na janela.
- O que aconteceu? - Ele mantinha os olhos focados na rua.
O encarei por um longo instante. Eu literalmente estava sozinha, em um carro, com Bellamy Blake, fugindo dos meus problemas, depois de ter dormido com ele, e eu nem sequer sabia se isso fazia parte do jogo.
- Lexa, ela surtou por... sabe - Fiquei desconfortável em pronunciar as palavras.
- A gente ter dormido abraçadinho? - Ele falava irônico enquanto ria.
Dei um tapa em seu braço e semicerrei os olhos.
- Eu te odeio.
- É recíproco. Vocês estão juntas né? - Por um instante, o vi completamente sério.
- Não temos nada, estávamos tentando, mas ela já estragou tudo mesmo - Dei de ombros.
- O que ela fez? - Era difícil decifra-lo, as expressões sumiam da sua face em menos de um segundo, o que nunca me deixava saber o que ele realmente estava pensando.
- Além de ter atirado um copo na minha porta e quase derrubado a casa com os gritos?
- Ela parece bem louca...
- Ela é, pode acreditar.
Bellamy estacionou na mesma lanchonete que fomos tempos atrás com Octávia, depois dela ter conseguido o emprego. Desci do carro e respirei fundo, a dor no quadril tinha cessado. Assim que entramos notei que o local estava vazio, mas mesmo assim escolhemos uma mesa nos fundos, e isso me deixou confortável. Eu tinha a estranha sensação que deveria me esconder do mundo naquele momento.
- Chocolate?
Confirmei com a cabeça enquanto me sentava e Bellamy foi fazer o pedido. Naquele momento vi que tinha saído sem celular ou chaves, só tinha a roupa do corpo, e por um momento, agradeci imensamente por isso, ninguém me encontraria, até por que, quem me procuraria com o Blake?!
Bellamy voltou e me entregou meu milk shake, dei um gole e repousei-o sob a mesa.
- Quer conversar mais sobre isso? - Ele me encarava brincando com os próprios dedos.
- Não sei. Na verdade, eu nem sei por que tô aqui com você.
- Porque eu sou quente - Ele ria tomando um longo gole do líquido escuro.
- Qual é Bellamy, não tem câmeras ou conhecidos, o que você quer? - Revirei os olhos e encostei as costas no encosto da cadeira, eu já tinha tantos problemas, só queria resolvê-los, e não causar mais.
- Eu que te pergunto isso. Joga comigo, fica com a melhor amiga, foge pela própria janela... não dá pra te entender loirinha - Ele fixou os olhos nos meus por um longo instante.
- Eu jogo porque eu gosto do perigo, isso me faz sentir livre - O encarei e antes que ele se pronunciasse, continuei - Eu e a Lexa temos uma história antiga, eu amo ela, e achei que poderia dar certo, nos conhecemos tão bem, mas to vendo que não.
- E ela sempre quebra copos na sua porta?
Engoli em seco. Fiquei em silêncio.
- Vamos fazer assim. O que a gente conversar aqui, ninguém jamais saberá, será como um sonho - Ele me olhava - Combinado?
Realmente, Bellamy jamais poderia provar o que eu contasse, e eu precisava de alguém que não soubesse de muito para não opinar.
- Combinado.
- Então me conta essa história da Lexa direito.
- Só se você me contar algo sobre você depois - Dei de ombros.
- Feito.
Respirei fundo, e pensei mais uma vez se deveria contar aquilo. Eu precisava de um amigo, e não queria incomodar a Octávia que estava tão feliz com problemas. Bellamy poderia ser um saco, mas tinha dois ouvidos e não falava muito, era o que eu precisava, pelo menos, agora.
- Desde muito nova, a Lexa tinha surtos de raiva, provavelmente foi hereditário, a mãe dela tinha também. Começou com ela quebrando lápis quando a irritavam no colégio, depois ela começou a rasgar papéis, ela rasgava um caderno inteiro quando se estressava... Eu achei que só era uma fase a princípio...
- E quando deixou de achar? - Bellamy me encarava visivelmente preocupado.
- Inverno de 2016, tínhamos 15 anos. A gente sempre teve muita intimidade, e na época, eu aprendi a jogar - ri o encarando, mas não um riso feliz - eu flertava com um menino do meu colégio por mensagens, mas nunca havia contado porque achava isso ridículo. Um dia, eu fui tomar banho, e ela achou as mensagens... não tinha nada demais, só mensagens bobas, mas ela surtou. - Fitei a mesa e me calei.
- Defina surtou - Bellamy falava com uma calma tão grande que me deixava calma.
- Nós discutimos por causa das mensagens, e no calor do momento ela ergueu a mão pra me bater, mas ela não concluiu o movimento. Ela abaixou a mão e saiu... no dia seguinte ela teve uma briga com o garoto que eu flertava porque segundo ela "ele colocou o pé pra ela cair", sendo que o Isaac jamais faria isso.
- Ela se machucou muito?
- Ela não, já ele... Lexa fez judô por um tempo, ela não se machuca fácil.
- E você aceitou isso? - Eu via curiosidade em seu olhar investigativo.
- Eu não aceitei nada, eu acreditei nela, que ele provocou. E isso nunca mais aconteceu, até hoje.
Encarei a paisagem pela janela da loja e vi que havia acabado de escurecer, algumas partes do céu ainda eram claras apesar do tom escuro predominar, as estrelas já eram visíveis.
- Duas coisas - ele se ajeitou na cadeira como quem fosse falar um texto, mas foi simples - Você não é burra, sabe que o tal Isaac não fez nada e, ela precisa de ajuda.
- Se fosse pra falar o que eu já sei eu conversaria com um espelho.
- Não desconta sua raiva em mim - por um momento ele realmente pareceu irritado.
- Tá sentimental Blake? - falei rindo da situação.
- Nenhum pouco, só tô lembrando que amigo não é saco de pancadas.
- E somos amigos agora? - eu realmente estava curiosa.
- Me diz você! - Ele me olhava.
- Acho que não dá mais pra jogarmos assim. A Octávia descobriu e ficou bem chateada, e agora isso com a Lexa... não estamos ganhando nada com isso - dei de ombros.
- Você quem sabe princesa - Ele acabou com a bebida que estava em suas mãos e acenou para que o garçom trouxesse outro.
- Princesa? - Comecei a rir.
- Ninguém vai saber não é esse o combinado? Então considere um apelido particular - ele piscou pra mim sorrindo, e eu realmente já não sabia se ele estava jogando sozinho ou se aquele era ele. Afinal, quem era Bellamy Blake?!
- Sua vez de me contar algo íntimo seu.
- Vejamos... que tal falarmos dos meus pais?! Isso parece bem pessoal...
- É um ótimo começo - Sorri vendo o garçom servir seu novo milk shake - Vá em frente... amigo.* * * * * *
A campainha tocou. Senti borboletas no meu estômago, por pouco não desviei da porta para banheiro. Respirei fundo me recompondo e abri a porta. Ele era exatamente como pelo computador, o cabelo grande o suficiente para que as mechas roçassem em seus ombros, todos os fios escuros como carvão. Ele era pouco mais alto que eu e estava com um sorriso enorme e branco em seu rosto.
Como que instantaneamente sorri de volta me jogando contra seus braços abertos. Pela primeira vez eu o tinha, e estava feliz por aquilo. Era o cara com quem conversava a meses. Ele tinha um cheiro doce de maçã com açúcar e seu toque era quente. Senti as mãos dele envolverem minhas bochechas e logo seus lábios se lançarem contra os meus em um beijo quente e apaixonado. Quando quebramos o beijo o ar já me faltava, sorri. Eu realmente estava feliz por ele estar ali, então o abracei novamente e ouvi as palavras em meu ouvido.
- Você não sabe como imaginei esse encontro mil vezes na minha mente - ele sorria me afastando para analisar meu rosto, como quem espera acordar de um sonho.
- Finalmente aconteceu - o puxei pelo pulso - Vem, vamos subir.
Ele passou pela porta e logo a fechei atrás dele. Fomos para o meu quarto. Naquele momento eu nem sequer cogitei contar a verdade. Era a primeira vez que eu o tinha fisicamente, almejei aquilo por tanto tempo que não tinha coragem de acabar com tudo de primeira.
Ele se deitou na minha cama, deitei minha cabeça em seu peito e conversamos por horas. Como ele havia chegado ali, como andava os estudos, como os pais dele reagiram quando souberem que ele viria para me conhecer. As horas rolaram sem que nem sequer eu notasse, até que o mundo pareceu congelar quando ele resolveu tocar no assunto.
- Como foi a festa de ontem? Se divertiu?
Engoli em seco. Eu não queria mentir para ele, mas não mentir, significaria contar a verdade, e eu também não queria isso. Eu tinha em torno de cinco segundos para decidir entre, ser honesta e perdê-lo, isso porque o ganhei a duas horas, ou mentir, e deixar que isso me corroesse por dentro. Tic tac Raven, decida.* * * * * *
As horas passaram voando. Bellamy encarou o celular e já era 9 p.m., passamos em torno de três conversando e pareciam minutos.
- Acho melhor irmos, não quero que sua mãe me odeie de primeira por sumir com a filha dela - ele ria.
- Duvido que ela tenha notado que sai - dei de ombros - Eu não quero ir pra casa, nem ver a Lexa hoje.
- Então não irá e nem verá ela, vou te levar pra um lugar legal - ele sorria visivelmente animado.
Bellamy parou em frente ao balcão e pegou um pacote cheio de rosquinhas, não questionei, só o segui rumo ao carro.
- Não sei se fico com medo ou feliz... depois te dou o dinheiro dos milk shakes.
- Eu convidei, não quero que me pague nada - ele falou entrando no carro.
- Se você prefere assim - dei de ombros o seguindo.
Alguns minutos se passaram. Bellamy seguiu um caminho que eu não conhecia, o silêncio do carro foi preenchido por uma música baixa, mas pela primeira vez aquele silêncio não era constrangedor, eu estava me sentindo bem em estar ali.
Paramos com o carro em um gramado, de frente para a areia fofa da praia. O céu estava cheio de estrelas e o mar bem mexido. Descemos do carro e nos sentamos no capô, o único barulho ali era o das ondas e a iluminação ficou por conta dos faróis ligados e das estrelas. A lua não estava no céu, mas ainda sim ele estava lindo.
Ouvi barulho de papel e vi Bellamy abrindo o saco de rosquinhas. Peguei uma rindo, e ficamos ali, por longos minutos, em silêncio, deitados no capô, admirando o céu. Eu realmente nunca pensei ter um momento desses com Bellamy, mas eu me sentia bem, e só aquilo importava naquele momento.
- Lembra quando perguntou mais cedo o que eu queria? - ele falou baixo enquanto mordia uma rosquinha.
- Lembro - o encarei, mas ele ainda olhava o céu, então fiz o mesmo.
- A resposta é você... - senti seus olhos repousarem sob mim - Eu quero você, Clarke Griffin!
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My Reasons
RomanceClarke tinha 16 anos quando perdeu seu pai. Abby passou a dar mais atenção à sua filha ao invés de viver no hospital. Com a chegada do final do ano, Clarke descobriu que o selo no seu boletim escolar foi vermelho com letras garrafais escrito "REPROV...