Capítulo 27: Incêndio

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Completamente confusa encarei Octávia enquanto Cheryl saia.
Toda a escola que ainda estava do lado de fora parou para olhar. Lincoln estava caído no chão com a boca sangrando, Raven e Murphy o ajudavam a se levantar e Bellamy havia sumido.
- Vai atrás dele, se por um milagre ele tiver consciência pra escutar alguém, vai ser você - Octávia me pedia em uma súplica correndo pra ver o Lincoln mais de perto.
Engoli em seco, apertei os lábios e fui pra onde meu extinto me levou. O campo. E eu estava certa. Bellamy estava sentado sozinho na arquibancada fitando o gramado. Me aproximei receosa, mas ele nem sequer levantou o olhar pra mim.
Coloquei minha mochila no canto e me sentei ao seu lado. Sem dizer uma palavra peguei sua mão machucada por causa dos socos que ele dará minutos antes e minha garrafa de água na bolsa, que pela temperatura, ainda era do dia anterior.
Bellamy não se esquivou, ficamos em silêncio enquanto eu lavava os dedos dele vendo toda a água se escorrer pelo degrau abaixo de nós na arquibancada.
- Quer falar sobre isso? - Rompi o silêncio com a voz mais calma que pude.
- Você já sabia não é? - Ele me olhou de forma acusatória.
Sempre soube que mentiras não davam certo, ainda mais as que envolviam um coletivo. Então só disse a verdade.
- Sim.
Foi o suficiente pra ele recuar a mão rapidamente e se levantar. Em uma atitude sem pensar segurei seu braço.
- Senta, você precisa saber as coisas do jeito certo, e não o que quer que a Cheryl tenha dito - mantive minha voz calma.
- Saber o que Clarke? QUE AQUELE FILHO DA PUTA SE APROVEITOU DO TEMPO NA MINHA CASA PRA TENTAR COMER MINHA IRMÃ? - seu tom de voz se elevou e eu agradeci mentalmente por não ter ninguém ali além de nós.
Se o jeito fácil não funcionou seria então, pelo difícil. Brutalmente puxei o braço de Bellamy fazendo sentar-se em um tropeço no banco ao meu lado novamente.
- Me solta eu não aguento mais gente mentin...
- CALA A BOCA - Aumentei meu tom de voz.
Não era justo a Octávia deixar de viver algo único como o amor por conta das paranoias do irmão, e ele ia ter que entender isso agora.
- Quem você...
Antes que ele prosseguisse dei um tapa fraco no seu braço.
- Cala. A. Boca.
Ele me olhou mais irritado do que eu gostaria.
- Para de se comportar como uma criança que tiraram o doce Bellamy. Chega. Sai dessa fantasia que você controla a vida da sua irmã. porque VOCÊ NÃO CONTROLA!
Dei ênfase ao final da frase o encarando quando ele desviou o olhar fitando o degrau molhado abaixo de nós.
- A Octávia não é nenhuma criança Bell. Ela é uma menina linda, inteligente e independente. Ela tem total direito de se apaixonar, de amar, e você deveria ficar feliz por ser o Lincoln, pelo menos você sabe que ele é um bom cara.
Segurei o seu queixo com uma de minhas mãos fazendo-o me olhar, e me assustei quando vi seus olhos cheios. Involuntariamente uma lágrima escorreu deles. Apertei os lábios e passei meu dedão a secando.
- Por que você tem tanto medo dela se apaixonar Bellamy? - o fitei curiosa.
Ele se desvencilhou do meu olhar, secou os olhos e fitou o gramado.
- Sempre fomos eu e ela Clarke. Pra tudo. Sempre. A única pessoa que sempre se importou comigo e esteve ao meu lado, nós enfrentamos tudo juntos. Se ela se apaixonar eu perco a única pessoa que se importa comigo. Eu sei que isso é egoísta, mas eu não posso pensar em perder minha irmã, ela sempre foi minha responsabilidade. Pra mim ela ainda é aquela garotinha.
Involuntariamente sorri. Por mais egoísta que isso fosse, eu podia ver o amor e a preocupação que exalavam dele.
- Eu entendo por um lado. E sim, você está sendo muito egoísta, mas só porque não tá vendo a situação como um todo - Dei de ombros.
Demorou um instante até que a resposta dele viesse.
- Vou ter que implorar pra você me ajudar a ver?
- Não vou te dar uma resposta daquelas por causa da situação tá ridículo - respirei fundo - O fato da Octávia se apaixonar não quer dizer que ela vai te deixar idiota. Ela te ama tanto quanto você a ama, e ela ainda vai morar com você, estudar no mesmo colégio, encher o saco pelas caronas... a única diferença é que ela será mais feliz - fitei o gramado e brinquei com meus pés na arquibancada - Você deveria agradecer aos céus por ser o Lincoln.
- Ele frequentava a nossa casa, ele tem sentimentos por ela desde que ela é uma criança? - ele revirou os olhos - Meu Deus isso é tão nojento.
- Pode ser que sim, pode ser que não. Mas de qualquer forma ele a respeitou e respeitou a amizade de vocês até o último minuto. Pensa que poderia ser pior, se fosse um cara qualquer, que você não conhecesse, você não saberia se ele só quer iludir sua irmã ou está falando sério, pelo menos com o Lincoln você tem essa segurança.
- Não vejo a onde ele respeitou nossa amizade, ele não me contou, eu tive que descobrir pela Cheryl - ele riu incrédulo - Meu Deus, a Cheryl conseguiu o que queria.
- É, mas ela vai ter o que merece. E, bom, pode ser que você me odeie agora, mas fui eu quem encorajei a Octávia quando ela me disse o que sentia.
Fiquei apreensiva esperando uma resposta.
- Por favor, não conte histórias pela metade, o estrago já tá feito.
- Na festa da fogueira, eu já sabia do que ela sentia, ela me contou, mas eu vi que o Lincoln a olhava com amor, não só carinho - dei de ombros - Na festa, em casa, eu conversei com ele, e ele aceitou, foi a primeira vez que eles ficaram. Mas eu custei pra convencer ele. A preocupação dele foi maior que tudo.
Bellamy levantou o olhar, fitou meus olhos e respirou tão fundo que eu tive medo da sua possível reação já que convivi com Lexa quase a vida toda e via surtos de raiva mais vezes que gostaria.
- Me diz que o nosso momento na piscina não foi só uma distração. Por favor Clarke - ele me olhava em uma súplica.
Não tinha pra onde correr, já tinham tantas verdades ali.
- Não foi como se eu não quisesse. Mais o motivo principal, sim, foi pra me assegurar que você não os veria. Me desculpa Bell.
Dobrei as pernas apoiando os cotovelos nos joelhos e meu rosto nas mãos. Respirei fundo orando pra aquela conversa ter algum efeito porque já estava mais angustiante do que eu previa.
- Já pensou em ser psicologa loirinha?
Levantei o rosto e arqueei a sobrancelha.
- Que? Você não tá bravo? - eu realmente não tava acreditando.
- Era só um jogo - ele deu de ombros - O que acontece a partir de ontem entre a gente é verdadeiro pra mim, tudo antes não passava de provocações e brincadeiras. Ou devo dizer, distrações.
Dei uma risada e mordi meu lábio inferior.
- O que vai fazer em relação a tudo isso agora que sabe da verdade?
- Eu preciso de um tempo - ele pegou minha mão brincando com minhas unhas - Mas acredito que posso perdoar os dois, afinal, minha irmã merece ser feliz - ele deu de ombros - Só preciso que eles façam isso com calma, não é como se eu não considerasse o Lincoln um irmão de verdade.
Ouvimos o sinal em um barulho fraco. Conferi a hora no celular e vi que a primeira aula havia terminado.
- Precisamos ir, se não vamos ficar com falta.
- E lá vamos nós.
Descemos juntos da arquibancada e enquanto caminhávamos rumo às salas Bellamy me puxou de súbito lançando os braços ao meu redor. Confesso que o gesto me assustou, mas de alguma forma foi reconfortante sentir o abraço dele.
- Obrigada - ele sussurrou em meu ouvido tão baixo que eu tive que me esforçar pra entender.
Sorri me afastando e fui pra sala.

Assim que entrei vi uma Octávia rígida sentada na cadeira e um Murphy apreensivo me vendo entrar. Fiz questão de passar ao lado da carteira do Murphy e sussurrar um "já tá tudo bem", pude ver os ombros do menino relaxarem e me sentei ao lado da O., segurei sua mão embaixo da carteira a apertando em um gesto de estou aqui, se eu a abraçasse ali, provavelmente toda a sala olharia e viraríamos o centro da atenções, o que não precisava mais por hoje.
- Ele te ouviu? - ela indagou apreensiva.
- Ouviu, e aceitou - falei sorrindo vitoriosa - Ele disse que precisa de um tempo, e que vocês façam isso com calma, mas ele tá bem já.
- Obrigada por isso - ela sorria tão alegremente como jamais achei que ela conseguiria naquele dia - Você contou tudo?
Assenti apertando os lábios.
- O que a Cheryl quis dizer com não mexer nos brinquedos dela? - eu realmente estava curiosa.
- A Cheryl gosta de todo mundo nos pés dela, babando. Por mais que ela ame a Toni ela não pode suportar a ideia do Lincoln sendo feliz e não sendo o cachorrinho de estimação dela.
- Eu vou acabar com ela - falei entredentes.
- Ah não vai não. Quem vai fazer isso sou eu! - Octávia lançou um olhar que eu confesso que me assustou.
- E o Lincoln, como está?
- O diretor apareceu perguntando quem foi que agrediu ele, e disse que os alunos falaram que foi o Bellamy. Mas ele negou tudo na hora acredita? - ela me olhava espantada - Disse que foi um outro garoto que ele não conhecia bem, mas não era estudante daqui, brigas externas.
- Tá brincando que o diretor acreditou?
- Claro que não, mas fingiu que sim. Presumo que se ele acreditar nisso, não vamos ter escândalos na escola.
Passamos todo o resto da aula conversando. Enfim, o sinal tocou.

Saimos rumo ao intervalo e nossa mesa estava formada pelas mesmas pessoas de sempre, Lincoln com um corte superficial na boca, Raven ao seu lado tomando um suco, Murphy havia acabado de sentar mexendo no telefone e Bellamy olhando o nada.
Caminhava rumo à mesa quando vi Octávia se desviar indo em direção à Cheryl. Me apressei atrás dela segurando o seu braço.
- Octávia, aqui não, você pode piorar as coisas.
- As coisas já pioraram Clarke.
Tudo foi tão rápido que eu mal tive tempo de acompanhar.
Octávia passou a mão no suco de alguém que estava em uma mesa, abriu o conteúdo e despejou na cabeça de Cheryl enquanto a mesma estava de costas. A ruiva que agora estava com os cabelos ensopados se virou gritando e antes que ela concluísse o movimento Octávia deu um tapa na cara da mesma causando um estalo tão alto que todo o refeitório se virou para olhar.
- Você acabou de assinar sua lápide - Cheryl grunhiu.
Nossos amigos já se aproximavam e uma roda se abriu deixando as duas no centro.
- Não Cheryl, você assinou a sua na entrada.
Octávia fechou a mão dando um murro forte no rosto da garota que tirou de primeira rastros de sangue do seu nariz. Cheryl pulou em Octávia fazendo ambas irem pro chão, mas logo a morena estava em cima dela a estapeando. Literalmente movida pela força do ódio. A ruiva mal conseguia se defender dela.
- Meu Deus alguém segura a Octávia - Raven falou em desespero.
- NÃO! - Entrei na frente de todo mundo - Enquanto a Octávia tiver ganhando eu quero ver quem para essa briga.
Continuei olhando e rindo dos socos e tapas que Octávia desferia na ruiva venenosa. Quando a garota parou de tentar se defender, Octávia se levantou e pousou o pé em sua garganta, confesso ter temido aquele momento, o ódio da morena era tanto que provavelmente assustou a todos.
- A próxima vez que você se meter comigo, com meu irmão ou com um dos meus amigos, eu acabo de te matar Cheryl Blossom. Você pode ser o fogo, mas eu sou o próprio incêndio!
Octávia saiu dali intacta, as amigas de Cheryl correram pra ajudar a ruiva, e eu sai rindo com o Murphy que adorou a confusão. E três amigos extremamente preocupados.
Paramos em frente ao colégio, onde a primeira briga ocorrerá mais cedo.
- Octávia, Lincoln... a gente pode sair pra conversar? - Bellamy falou secamente.
Octávia e Lincoln se entreolharam e assentiram caminhando rumo ao carro dos Blake.
Bellamy me lançou um sorriso com o canto dos lábios antes de os seguir, e eu retribui.
Eu, Raven e Murphy ficamos ali esperando o final do intervalo e rindo de toda aquela situação.
- Ela bem que mereceu, vagabunda - Raven falava animada.
- Será que a Octávia encarnou algum demônio?- Murphy indagava visivelmente preocupado.
- Eu já falei que minha melhor amiga é maravilhosa? - Falei rindo.
Começamos a caminhar de volta pra dentro do colégio.

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